A Atuação do Psicólogo Organizacional e do Trabalho nos Programas de Preparação para Aposentadoria – PPA’S

A Atuação do Psicólogo Organizacional e do Trabalho nos Programas de Preparação para Aposentadoria – PPA’S

A presente resenha crítica tem como objeto o artigo “A Atuação do Psicólogo Organizacional e do Trabalho nos Programas de Preparação para Aposentadoria – PPA’S”, escrito por Clyssia Lourenna Martins De Almeida Souza, Maria Iasminy Da Silva Santos e Camille Lemos Cavalcanti Wanderley, do Centro Universitário Tiradentes (UNIT). O texto foi apresentado como pré-requisito para a conclusão do curso em psicologia, estando publicado nos periódicos do UNIT.

Por Logan Andrade dos Santos* e Mara Marçal Sales**

Resumo

Este artigo propõe identificar, através de uma revisão bibliográfica, a atuação do psicólogo organizacional e do trabalho nos Programas de Preparação para Aposentadoria – PPAs. O desenvolvimento deste texto está diretamente ligado às concepções teóricas que atribuem importância às relações dos seres humanos e o mundo do trabalho.  O artigo aponta os impactos psicossociais advindos da chegada da aposentadoria, entendida como um passo que pode afetar a saúde mental dos trabalhadores. Frente a isso, o objetivo desse artigo é promover a reflexão acerca da prática e formação profissional do psicólogo organizacional e do trabalho nos Programas de Preparação para Aposentadoria – PPA’s no contexto do fomento à responsabilidade social das organizações e na busca pela estruturação e implementação desses programas.

Palavras-chave: Programas de Preparação para Aposentadorias– PPAs; Psicólogo organizacional e do trabalho; Aposentadoria.

O artigo busca explorar temas teóricos importantes para a compreensão dos impactos psicossociais do processo de aposentadoria. Souza et. al. (2020, p. 4) afirmam que: “[…] o trabalho é a condição da vida humana, caracterizando-se como elemento estruturante da sociedade e da existência do homem.” Desse modo, concordamos com as autoras na concepção de que a centralidade do trabalho na estruturação da vida, estando em um mundo que prioriza as relações econômicas e de produção, pode ter como consequência uma ruptura identitária no momento de aposentadoria, já que “[…] o lugar do trabalho na vida humana é privilegiado de tal maneira, que o homem é, muitas vezes, reconhecido pelo que faz e identificado pelas marcas da profissão” (SOUZA et. al. 2020, p. 4). É preciso pontuar que as questões relacionadas ao trabalho sempre ultrapassam o limite da sobrevivência, associando-se invariável e inevitavelmente a fatores como reconhecimento social, valorização, qualidade de vida e realização pessoal do trabalhador.

Considerando isso, é interessante notar que a atenção e preparação ofertadas à inserção do jovem no mercado de trabalho, isto é, no início de sua vida “produtiva”, por mais que sejam marcadas por dificuldades, recebem mais distinção e cuidado do que o momento de desligamento do mercado, que é percebido como o final da vida dita “produtiva”. A concepção reforça o entendimento de que a vida depende da produtividade e que a sua retirada do horizonte depaupera o próprio sujeito, extraindo dele o que parece ser um tipo de essência, de centralidade identitária, deixando-o como um fardo, de modo que não se vê a necessidade de prepara-lo para esse momento como algo importante, já que não será mais “produtivo”.

Vemos aqui um ponto de articulação importante, diretamente explorado pelas autoras: a compreensão contemporânea do que chamamos de produtividade: “O modelo de produção econômico capitalista prepara as pessoas para serem produtivas, seguindo os padrões capitalistas estabelecidos pela sociedade” (SOUZA et. al. 2020, p. 4). Porém, nota-se que o artigo toma para si o entendimento de que a produtividade termina com a aposentadoria, pois “[…] desvincular-se da vida produtiva, acarreta impactos psicossociais aos funcionários, advindos da chegada da aposentadoria, sem um planejamento adequado” (SOUZA et. al. 2020, p. 2). É importante questionar por qual motivo a aposentadoria estaria ligada a uma desvinculação da produtividade e a qual noção de produtividade estamos nos subordinando, dada a realidade social bem descrita por Beauvoir (1970, p. 11) “A economia é baseada no lucro; é a este, na prática, a que toda a civilização está subordinada: o material humano só interessa enquanto produz. Depois é jogado fora.”

Considerando o exposto, compreende-se que os programas de preparação para aposentadoria (PPA’s) se constituem como um mecanismo importante para que os sujeitos que se aproximam da fase de desvinculação com o mercado formal de trabalho estejam minimamente conscientes das atitudes que podem tomar e da organização que precisam fazer para que seu processo de transição trabalho-aposentadoria ocorra de forma mais tranquila. Nesse âmbito, concordamos com as autoras ao apontarem que existe uma responsabilidade social, por parte das empresas, na elaboração e aplicação destes programas. Também é importante destacar a constatação de que “A aposentadoria é associada por muitos ao binômio idade/trabalho, relacionando estreitamente a aposentadoria ao processo de envelhecimento” (SOUZA et. al. 2020, p. 6). O que ocorre de fato é uma associação incorreta, já que o processo de aposentadoria é complexo e pode ocorrer, muitas vezes, com sujeitos que ainda não adentraram à fase da velhice.

Para discorrer sobre a preparação do profissional psicólogo em sua atuação nos PPA’s, as autoras utilizaram a metodologia de revisão bibliográfica, com a busca de artigos que tratem do tema e o articulem. As autoras apontam para o aumento da expectativa de vida enquanto um motivador para se trabalhar mais atentamente os PPA’s, visto que, a partir deles, é possível ter uma projeção mais agradável e tranquila para o futuro desse público que está em vias de se aposentar.

O artigo aponta:

No Brasil, as principais normas direcionadas ao envelhecimento saudável e a aposentadoria bem sucedida da população estão previstas pelas políticas públicas nacionais que estimulam o desenvolvimento de Programas de Preparação para Aposentadoria. A Política Nacional do Idoso, através da lei nº 8.842 de 4 de janeiro de 1994, propõe a criação e a manutenção de programas de preparação para aposentadoria nos setores público e privado com antecedência mínima de dois anos antes do afastamento. Estatuto do Idoso, através da lei nº 10.741 de 1º de outubro de 2003, estimula programas dessa natureza […] (SOUZA et. al. 2020, p.7, grifo nosso).

Desse modo, vê-se que os PPA’s possuem respaldo legal e reconhecimento governamental, considerada a sua importância para a promoção da saúde e, mais amplamente, da qualidade de vida após o afastamento dessa atividade tão central e distinta na vida humana durante toda a fase adulta. Boa parte dessa necessidade se dá pelo fato de que “A sociedade moderna impõe estigmatizações aos aposentados, os referenciando como inativos, ou seja, sem capacidade de ação no processo produtivo” (SOUZA et. al. 2020, p. 8). Os PPA’s enfocam o tema do estigma e também outros, como a organização da nova rotina, a retomada/descoberta de atividades tidas como não produtivas e o lidar com o próprio avançar do processo de envelhecimento – etapa que, como informam Santos e Sales (2022), já é carregada de suas próprias representações.

Concordamos com a perspectiva das autoras ao afirmarem que o processo de aposentadoria pode ser vivido de diversas formas, a depender da relação que o individuo tinha com o próprio trabalho, com seus colegas de trabalho, familiares e amigos, da qualidade de sua remuneração e do acesso a bens e serviços que poderá ter. A forma como esses fatores são vivenciados poderá contribuir para o direcionamento de uma aposentadoria carregada de sofrimento emocional e identitário, ou para uma vivencia mais leve e simplificada, com compreensão e planejamento de uma nova fase. É justamente nesse ponto que os PPA’s demonstram sua importância, dada a possibilidade de otimização do processo de aposentadoria, com auxílio para o planejamento do futuro, agora sem o trabalho em sua rigidez.

No que tange ao papel do profissional da psicologia nesses programas, e também na contribuição da psicologia organizacional e do trabalho, de forma mais ampla, as autoras apontam ao fato de que o psicólogo que atua nessa área é frequentemente preso em um modelo clássico de atuação que visa a adequação do trabalhador ao trabalho, demonstrando uma ausência de crítica que torna o seu fazer tecnicista e mecânico. É preciso repensar essa forma de atuação rígida, visto que a implantação de um PPA exige uma posição crítica e aprofundada do profissional que estiver responsável por ela, desmistificando o processo de aposentadoria. O profissional deve manter uma posição de compromisso e mediação entre empresa e trabalhadores, o que remonta à própria (difícil) mediação entre trabalho e capital.

O psicólogo deve, portanto, considerar essa natureza reflexiva, questionando estigmas relacionados ao envelhecimento e associando-se a outros profissionais, numa perspectiva ampliada e multidisciplinar de preparação para esse novo momento da vida, desenvolvendo atividades que fomentem a educação dos envolvidos por meio de tarefas grupais e até mesmo individuais, que possibilitem uma integração entre cultura, ambiente e bem-estar.

Cumpre notar, todavia, que, ao tratar da preparação para a aposentadoria, o texto não toca com a devida atenção em uma ambiguidade básica que marca o contexto contemporâneo no Brasil: as mudanças nos sistemas previdenciários estendem o tempo de permanência no trabalho, adiando a perspectiva da aposentadoria. Menos do que um convite a se preparar para esta nova etapa, a sociedade brasileira vê-se confrontada com a perspectiva de encolhimento do tempo de aposentadoria – aspecto que, configurando-se como uma supressão de direitos, não pode ser negligenciado quando se toma o trabalho humano como objeto de reflexão e intervenção.

Referências:

BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1970.

SANTOS, Logan Andrade dos. SALES, Mara Marçal. CRÔNICAS DA VELHICE: PERSPECTIVAS E REPRESENTAÇÕES. Pista: Periódico Interdisciplinar. Belo Horizonte, v.4, n.2, p.128-144, ago./nov. 2022. Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/pista/article/view/29671/20309 Acesso em: 12 jul. 2023.

SOUZA, Clyssia Lourenna Martins de Almeida. SANTOS, Maria Iasminy da Silva. WANDERLEY, Camille Lemos Cavalcanti. A atuação do psicólogo organizacional e do trabalho nos programas de preparação para aposentadoria – PPA’s. Centro Universitário Tiradentes – UNIT/ AL. Maceió. Jan. 2020. Disponível em: https://openrit.grupotiradentes.com/xmlui/handle/set/3247 Acesso em: 10. jul. 2023.

 

*Graduando em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, integrante do Grupo de Pesquisa: Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – PsiTraPP / PUC Minas.

**Psicóloga, Mestre em Psicologia Social (UFMG), Doutora em Educação (UFMG), professora adjunta IV da Faculdade de Psicologia da PUC Minas, integrante do Grupo de Pesquisa: Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – PsiTraPP / PUC Minas.

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