A tecnologia e a atividade dos psicólogos e psicólogas em tempos da pandemia de Covid-19: Desafios e apontamentos

A tecnologia e a atividade dos psicólogos e psicólogas em tempos da pandemia de Covid-19: Desafios e apontamentos

A resenha produzida a seguir refere-se ao artigo “A Tecnologia e a atividade dos psicólogos em tempos da pandemia de COVID-19: desafios e apontamentos”, publicado na revista Psicologia em Revista, volume 26, número 3, em dezembro de 2020. Propõe-se uma análise crítica sobre o impacto da pandemia da COVID-19 no trabalho dos psicólogos, especialmente em relação ao uso intensificado das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC) no contexto clínico. Escrito por José Newton Garcia de Araújo, Rodrigo Padrini Monteiro, João César de Freitas Fonseca, Carlos Eduardo Carrusca Vieira e Rafael Soares Mariano Costa, o artigo explora a articulação entre a ciência e a prática profissional da Psicologia, abordando os desafios enfrentados e os possíveis riscos decorrentes da rápida transição dos atendimentos clínicos presenciais para a modalidade online.

Por Marcelo Henrique Diniz Silva* e João César de Freitas Fonseca**

Resumo do Artigo

Este artigo  discute  a  relação  entre  o  trabalho  dos  psicólogos(as)  e  a  tecnologia,  no  contexto  marcado  pela  pandemia  de  Covid-19.  Com  base na análise da dupla condição da Psicologia, como ciência e profissão, historicamente construída e reproduzida, o texto propõe uma análise crítica da  intensificação  do  uso  das  Tecnologias  de  Informação  e  Comunicação  (TIC), com ênfase na atividade de atendimentos clínicos individuais, por se tratar de uma modalidade de serviço em flagrante expansão no atual contexto, em  razão  das  contingências  impostas  pela  pandemia.  Como  resultados  preliminares,  evidencia-se  o  crescimento,  sem  precedentes,  do  número  de  cadastros de psicólogos e psicólogas interessados em realizar atendimento on-line e observam-se ações dos órgãos reguladores da profissão que objetivam fiscalizar tais práticas e impedir o uso indevido da tecnologia. Ressaltam-se, neste cenário, os riscos da “uberização” do trabalho do psicólogo e psicóloga e de uma retração do campo da Psicologia como profissão. 

Palavras-chave: Covid-19.  Abordagens  clínicas  do  trabalho.  Atividade.  Tecnologias de informação e comunicação (TIC). Uberização do trabalho do psicólogo. 

Destacando o contexto pandêmico, marcado por incertezas e mudanças, os autores buscam examinar o crescente interesse dos profissionais em adotar plataformas virtuais para oferecer serviços de atendimento psicológico, ao mesmo tempo em que destacam a necessidade de uma reflexão crítica sobre os impactos dessa transição. Ao longo do artigo, são delineadas preocupações em relação à “uberização” do trabalho psicológico, bem como a possível redução do escopo da Psicologia como profissão, diante da predominância de práticas clínicas individualizantes. 

Ao decorrer do estudo, destacam-se os impactos psicológicos decorrentes das medidas de quarentena e isolamento no enfrentamento da pandemia de COVID-19. Apesar de essenciais para conter a disseminação do vírus, essas medidas acarretam riscos significativos de sofrimento e adoecimento mental na população, manifestados por reações emocionais como medo, irritabilidade, angústia e tristeza, além de possíveis quadros psicopatológicos em diferentes faixas etárias (Brooks et al., 2020).

Além disso, os autores do artigo informam que a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Comitê Permanente Interagências (Inter-Agency Standing Committee, 2020) alertam para o estresse gerado pela crise, afetando distintos grupos (inclusive trabalhadores da saúde), grupos de risco (idosos, portadores de doenças crônicas, gestantes e lactantes) e a população em geral. Para abordar essa problemática, o termo “saúde mental e apoio psicossocial” (SMAPS) é adotado, englobando uma gama de intervenções destinadas a proteger e promover o bem-estar psicossocial durante emergências, através da oferta de cuidados especializados em saúde mental.

Outro elemento importante trazido no artigo diz respeito ao Conselho Federal de Psicologia (CFP), cuja atuação foi fundamental ao autorizar temporariamente, em março e abril de 2020, a prestação de serviços psicológicos via Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC), sem a necessidade de confirmação prévia na plataforma Cadastro e-Psi. Essa medida excepcional, descrita na Resolução CFP nº 4 de 26 de março de 2020, visava mitigar os impactos da pandemia na sociedade e facilitar o trabalho dos profissionais da Psicologia. 

É relevante observar que a adoção das TIC pela Psicologia estava em processo de consolidação, iniciando a autorização para psicoterapia online somente em 2018, após uma série de marcos normativos pelo CFP desde 2000.

A flexibilização das normas para atendimento online provocou um aumento expressivo nas inscrições no sistema E-psi. No contexto nacional, os números de solicitações de cadastros cresceram significativamente, gerando mudanças práticas (como a adoção de um parecer-padrão para aprovar todas as solicitações) e levando em conta os critérios estabelecidos pelo Conselho, de modo a lidar com o grande volume de pedidos. O crescimento exponencial de registros evidencia a relevância e o impacto das alterações normativas no campo da Psicologia durante a pandemia, destacando a rápida adaptação dos profissionais aos novos meios de atendimento.

Trata-se portanto de uma produção acadêmica que reflete sobre fatos históricos recentes, sobre os quais ainda é preciso refletir. Ao discutir as inovações tecnológicas, enfatiza-se que essas mudanças estão entrelaçadas com a organização da vida humana. A presença das tecnologias digitais no dia a dia, como smartphones, computadores e plataformas de interação virtual, é vista como um elemento intrínseco aos processos de formação da subjetividade. As discussões trazidas a partir desse cenário realçam que a produção, disseminação e uso dessas tecnologias estão intimamente ligados a condições econômicas e sociopolíticas específicas, refletindo, em última instância, o modo como a vida material e social é produzida.

O estudo aponta a mudança significativa na prática clínica da Psicologia, especialmente a migração para plataformas virtuais diante das restrições de atendimento presencial. Essa transição é crucial, considerando especialmente o possível aumento de distúrbios psiquiátricos durante o isolamento social. Há um debate sobre a predominância da abordagem individual no atendimento psicológico e como a situação atual favorece essa prática em detrimento das interações sociais. Destaca-se também a preocupação com a exclusão digital persistente, mostrando disparidades no acesso à internet entre áreas urbanas e rurais, bem como entre diferentes estratos sociais.

Além disso, o texto aponta para os efeitos adversos do uso excessivo da tecnologia, como a fragmentação e precarização do trabalho dos psicólogos. Critica-se a perspectiva de “uberização” desse trabalho e ressalta a importância de regulamentação e fiscalização para evitar riscos éticos e profissionais nesse cenário.

Nessa mesma direção, o artigo alerta também para a importância de se analisar criticamente as relações estabelecidas entre pacientes e psicólogos em plataformas online, levantando questões éticas sobre a prática clínica da Psicologia nesses ambientes digitais e alertando sobre os riscos de precarização da profissão. Finalmente, o texto conclui reforçando a necessidade de reflexão sobre os impactos éticos e desafios profissionais gerados por essa transformação no campo da Psicologia e propondo outras investigações sobre o tema.

Referências

Araújo, J. N. G.; Monteiro, R. P.; Fonseca, J. C.F.; Vieira, C. E. C., & Costa, R. S. M. (2020). A tecnologia e a atividade dos psicólogos e psicólogas em tempos da pandemia de COVID-19: desafios e apontamentos. Psicologia em Revista, 26(3), 1101-1120.Disponível em: http://periodicos.pucminas.br/index.php/psicologiaemrevista/article/view/21402

 

*Graduando em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, integrante do Grupo de Pesquisa: Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – PsiTraPP / PUC Minas.
**Doutor em Educação e Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor Adjunto na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

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