Carta a Conceição

Carta a Conceição

Por Andrízia Gomes Pereira*

Belo Horizonte, 23 de março de 2022

Querida Conceição Evaristo,

Angústia. Seria impossível iniciar esta carta sem dizer da angústia que vivenciei para escrevê-la. Pensei inclusive em me esquivar desta proposta, mesmo sendo algo supostamente simples, uma carta que contemple nossa experiência em relação a leitura sobre a escrevivência. Entretanto, me observei naquela velha história da angústia que paralisa e isso me fez refletir. Percebo cada vez mais em seus textos como a escrita é um ato de coragem, em especial a escrevivência, que nos incomoda, nos tira do espaço cômodo, daí a angústia. Trata-se de uma escrita que nos provoca a repensar o pré estabelecido e nos convoca a uma escrita implicada com os contextos e realidades que nos perpassam, tornando-nos responsáveis com nossas vivências e sentimentos.

Subversão. Chega a ser engraçado como me vi frente a necessidade de realizar uma escrita que também expressasse meus sentimentos, pois se colocar na escrita é algo subversivo em um contexto no qual estamos sempre sob controle de diversas regras que buscam determinar o nosso pensar e o nosso fazer. Neste sentido, me deparo com um grupo de quatro mulheres e dois homens, buscando compartilhar suas angústias e, em um ato de coragem, subverter, como dito por você, romper com a passividade da leitura, mas também com a passividade do imposto, para buscar o movimento da escrita, não na expectativa de alcançar um espaço de dominação, como reiterado algumas vezes, mas para dar vazão às nossas próprias urgências, tendo a escrita como uma necessidade, necessidade de se colocar, necessidade de denúncia, necessidade de subverter.

Consciência. É marcante ler sobre sua trajetória e como a escrita foi se apresentando inicialmente como um lugar de refúgio. Percebo isto, por exemplo, ao ler sobre sua infância, na qual a escrita tinha uma função de escape de sua dura realidade. Entretanto, leio também que com o passar do tempo sua escrita lhe proporcionou consciência para se haver com essa realidade e, ao me deparar com isso, lembro que não entendemos para apenas depois escrever, mas escrevemos para descobrirmos o que temos a dizer (Baker, 1985), como também apontou Foucault “sou um experimentador no sentido de que escrevo para mudar a mim mesmo e não mais para pensar a mesma coisa de antes” (2010, p. 289). Utilizando suas palavras, a escrita gera consciência que compromete nossa própria escrita a não se submeter a uma suposta neutralidade, mas a se tornar um caminho de autoafirmação e também de denúncia (Evaristo, 2020).

Aprendizado. Sua escrita me ensina, me faz retornar a minha própria história de vida e encará-la com mais afeto. Sua escrita nos ensina a ousar, nos ensina a darmos relevância a nossos próprios sentimentos. Sua escrita explicita o que muita das vezes permanece silenciado e velado. Desta forma, este coletivo caminha nesta constante dialética que você nomeia como movimento de fuga e inserção, tendo a escrita como refúgio, mas também como potência.

Com carinho,

Andrízia Gomes.

Referências:

Baker, S. (1985). The practical stylist. New York: Harper and Row. Duarte, C. L. Nunes, I. R. Escrevivência: a escrita de nós. Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Cap. 1 e 2. 1 ed, Rio de Janeiro: Mina comunicação e arte, 2020.
Foucault, M. (2010). Conversa com Michel Foucault. In: Repensar a política. Ditos & Escritos VI. 1aed1ª ed., pp. 289-347. Forense.

*Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e Bolsista de Iniciação científica do Grupo de Pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais (PSITRAPP).

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