Método de Análise da pesquisa em memória – O tempo vivo da memória

Método de Análise da pesquisa em memória – O tempo vivo da memória

Por Ana Rita Assis Cardoso de Souza*, Camilla Costa Gonçalves** e Danielle Teixeira Tavares Monteiro***

O presente texto constitui uma resenha dos capítulos 2, 3 e 4 do livro intitulado “O tempo vivo da memória” com autoria de Ecléa Bosi, mestre e doutora em Psicologia Social, pesquisadora de Memória e Sociedade e Professora Emérita do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

O desenvolvimento do capítulo 2 traz algumas considerações sobre o método de pesquisa empregado nos estudos em memória, uma delas é referente a inaplicabilidade de uma forma de análise que busque desmontar a narrativa em pequenos fragmentos a serem explorados. A questão do método abarca a capacidade do pesquisador em utilizar os instrumentos disponíveis na pesquisa, não compreendido como um caminho estanque e pré-definido, mas construído a partir do que se encontra no contexto pesquisado.

Um importante conhecimento para os pesquisadores é compreender os estudos sociais sobre o tempo, observar as teorias e o quanto a dialética entre passado e presente diz sobre as memórias escutadas. Além disso, perceber o contexto psicossocial, as relações de grupo e espaciais faz-se fundamental. Sobre isso, Bosi afirma que: “O tempo não flui uniformemente, o homem tornou o tempo humano em cada sociedade. Cada classe o vive diferentemente, assim como cada pessoa.” (p. 53).

Para além do momento posterior às entrevistas, a autora pontua que muitas vezes a memória dos sujeitos caminha por lugares que, inicialmente, não estavam no escopo da pesquisa, o que é essencial que o pesquisador perceba e acolha a memória: “…como atividade do espírito, não repositório de lembranças.” (Bosi, 2013, p. 52). Dessa forma o objeto estudado é o tempo da memória, sendo singular o processo de cada pessoa, de cada cultura e classe, ou seja, é relevante observar o lugar de fala de cada indivíduo, assim como as fixações e os esquecimentos.

A escolha de uma técnica para colher dados decorre também do que foi explicitado no parágrafo anterior, a autora defende as técnicas de histórias de vida e perguntas exploratórias para que o sujeito seja livre para narrar a sua história conforme a sua experiência de vida. Bosi afirma que: “A entrevista ideal é aquela que permite a formação de laços de amizade; tenhamos sempre na lembrança que a relação não deveria ser efêmera.” (Bosi, 2013, p. 60), sendo assim a pesquisa é, acima de tudo, a formação de uma relação diferenciada entre pesquisador e pesquisado, sendo uma possibilidade de inversão da lógica ortodoxa de pesquisa.

A autora ressalta que toda relação tem o impacto da ideologia e dos estereótipos, por isso é importante observar os pré-julgamentos durante e antes da conversa, assim como ter clareza que a escrita de uma memória é sempre do que o entrevistado recorda, não havendo verdade absoluta. Sendo assim, a posição e o método do pesquisador precisam ser coerentes com a proposta dos estudos com a memória social, nosso intuito não é, simplesmente, nos apropriamos do conhecimento que nos é doado, mas respeitar a história de vida do sujeito que recorda a partir de seus afetos e caminhar com ele por suas criações.

No capítulo 4, a autora apresenta uma pesquisa em memória, dedicada às lembranças paulistanas, há a exploração da estreita relação existente entre os idosos e a preservação da memória. Contudo, a organização urbana dificulta a locomoção destes sujeitos, afastando-os e dispersando o suporte coletivo da memória (Bosi, 2013, p. 70). Apesar desta ocorrência, a cidade é um local fértil para a construção de lembranças coletivas. Segundo a autora, cada geração tem pontos em comuns na cidade que constituem amarrações na história de vida que acompanham as transformações do espaço urbano.

Nos capítulos estudados, Bosi apresenta os métodos e técnicas para a efetivação da pesquisa em memória social, auxiliando os jovens pesquisadores com pontos essenciais para o desenvolvimento de uma investigação que seja coerente com o objeto estudado, ou seja, a memória do outro. Visando assim, uma ótica crítica, sensível e aberta para as análises ao longo do trabalho. Os capítulos apresentam, dessa maneira, uma forma específica de se realizar pesquisa com sujeitos concretos, atravessados pelo contexto sociohistórico, pelo tempo e pela memória. É interessante pontuar a compreensão que tivemos sobre a sensibilidade do pesquisador em reconhecer a complexidade de seu objeto de estudo, assim como perceber as possibilidades que o recolhimento de Histórias de Vida traz para a ampliação do olhar, da análise e da construção do conhecimento. Isso possibilita a construção de uma pesquisa pautada em processos concretos e possíveis de mudança, que abrangem desde os sujeitos de pesquisa, como do próprio pesquisador, que sai do lugar de expert para dar visibilidade ao conhecimento construído pelos sujeitos.

 

Referências:

Bosi, E. (2013). O tempo vivo da memória. São Paulo: Ateliê Editorial, 49-77.

 

*Ana Rita Assis Cardoso de Souza: Estudante de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas e membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.

**Camilla Costa Gonçalves: Estudante de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas e membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.

***Danielle Teixeira Tavares Monteiro: Assistente Social, doutora em Psicologia pela PUC Minas e pela Universidade de Coimbra – Portugal, psicanalista e escritora.

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