Dificuldades relativas à inclusão social das pessoas com deficiência no mercado do trabalho

Dificuldades relativas à inclusão social das pessoas com deficiência no mercado do trabalho

Resenha baseada no artigo “Dificuldades relativas à inclusão social das pessoas com deficiência no mercado do trabalho”, de Jacqueline Moreira de Oliveira, José Newton Garcia de Araújo e Roberta Carvalho Romagnoli. Publicado no Latin-American Journal of Fundamental Psychopathology on Line em maio de 2006.

Por Lívia Fonseca Magalhães Guermandi* e João César de Freitas Fonseca**

Resumo

Este texto discute alguns problemas relativos à inserção das pessoas portadoras de deficiência (PPD)[1] no mercado de trabalho, após a vigência do Decreto 3.289, que obriga as empresas a contratarem esses sujeitos. Uma breve reflexão histórica sobre o lugar social da deficiência sustenta a hipótese de que a abertura de empregos para essas pessoas é um fenômeno pós-moderno. Levantam-se questões sobre o sentido do trabalho, na dinâmica psíquica e social desses sujeitos: como o trabalho afeta as representações de si mesmo e as relações com o outro? Verificou-se que a experiência do trabalho comporta vivências de satisfação e de sofrimento, principalmente quando as empresas se limitam a cumprir os aspectos legais da contratação, sem dar à pessoa com deficiência condições efetivas de inclusão social, no ambiente de trabalho. Assim, buscou-se compreender o pathos que permeia a condição da deficiência, para além da própria deficiência.

Palavras-chave:Pessoas com deficiência, trabalho, inclusão social, sofrimento no trabalho.

A presente escrita tem como objetivo realizar uma breve resenha sobre o artigo “Dificuldades relativas à inclusão social das pessoas com deficiência no mercado do trabalho”, de autoria dos Professores Jacqueline Moreira de Oliveira, José Newton Garcia de Araújo e Roberta Carvalho Romagnoli (2006), todos do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da PUC Minas. O artigo aqui relatado tem como principal motivação apresentar os empecilhos enfrentados por pessoas com deficiência no mercado de trabalho, questão cada vez mais emergente, especialmente para uma sociedade que se pretende inclusiva.

Segundo os autores, apesar da edição de alguns dispositivos regulatórios (como, por exemplo, o Decreto 3.289, em 1999), a contemporaneidade ainda não trouxe a efetiva inclusão das pessoas com deficiência no mundo do trabalho, embora seja imprescindível reconhecer um avanço na luta pelos direitos desses sujeitos.

O artigo abordado começa apresentando uma visão geral do assunto, esclarecendo que os autores basearam-se em uma pesquisa voltada para a temática do emprego de pessoas com deficiência (PCD). Já nessa Introdução, é possível verificar a articulação bem feita dos referenciais teórico-metodológicos utilizados, que recorrem principalmente à Psicanálise e à Psicossociologia.

No que diz respeito à Psicanálise, os autores apresentaram uma relação entre o trabalho, sofrimento e o campo socioemocional dos indivíduos, lembrando inclusive que Freud (1930) entende que nas relações com o outro e com si mesmo que reside a fonte de nossos sofrimentos.

Além disso, recorrendo aos referenciais da Psicossociologia, o artigo utiliza o conceito de relações antropofágicas (Barus-Michel, 2001), quando podem se configurar formas de anulação real ou simbólica do outro. Essas relações, caracterizadas pela submissão e exploração, causam elevada dor psíquica aos trabalhadores, em especial, aqueles com deficiência.

Uma das riquezas do trabalho produzido por Moreira, Araújo e Romagnoli (2006) é a recuperação dos fundamentos históricos da inclusão das PCD. Lembram que na Grécia antiga, PCD eram considerados indignos e por isso, “descartáveis” e passíveis de abandono. Ideias que foram sustentadas também por grandes pensadores como Aristóteles (citado por Batista, 2002, p. 59), “(…) quanto a saber quais os filhos que se devem abandonar ou educar, deve haver uma lei que proíba alimentar toda criança disforme”, de modo a intensificar a violência e discriminação com esse grupo.

O estrito padrão grego foi seguido por uma ética cristã que continuou a tratar esse grupo como indesejados. Essa situação apenas começou a mudar durante o final da Idade Média e início da Modernidade, quando passou-se a valorizar o indivíduo e sua autonomia e, a partir disso, a medicina – que antes tratava as pessoas com deficiência como “retardadas” – passou a buscar meios de permitir que essas pessoas desfrutassem de maior independência e inclusão. Fato que podemos considerar o início de várias medidas de inclusão para com as pessoas com deficiência, mesmo que seus direitos ainda não tenham sido totalmente consolidados.

Após essa contextualização histórica, o texto retoma os significados do trabalho para os indivíduos, bem como os possíveis ganhos e as ambivalências da inserção no mercado de trabalho.

Quanto à metodologia, os autores esclarecem que foi adotada uma abordagem qualitativa dos dados, a partir de entrevistas semiestruturadas que buscavam investigar a relação das pessoas portadoras de deficiência com as empresas em que trabalhavam. Ao todo, 8 pessoas com diferentes tipos de deficiência (auditiva, física, mental e visual) foram entrevistadas, sendo elas selecionadas a partir de uma lista cadastral fornecida pelo PROMETI (Projeto de Mercado de Trabalho Inclusivo), órgão ligado à Secretaria de Ação Social da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte. Além disso, não houve o recorte de variáveis como sexo, idade, etnia, escolaridade e profissão com o grupo entrevistado, especialmente devido à dificuldade desse grupo em participar da pesquisa por questões de desconfiança dos familiares, incompatibilidade de horários e resistência dos próprios indivíduos.

A partir da discussão dos dados de pesquisa, os autores vão apresentando suas considerações críticas: para as pessoas em geral, mas em especial para pessoas com deficiência, trabalhar significa alcançar dignidade, fonte de identidade social, já que esse indivíduo para a ser reconhecido como “trabalhador”, fugir da vitimização, além de outras questões mais utilitárias, como a subsistência.

Desse modo, percebemos que o emprego possibilita à pessoa com deficiência uma nova posição social, além da ampliação do seu campo relacional e o aumento da sua valoração enquanto sujeito, mesmo que sendo objeto de submissão e exploração.

Ainda, o sofrimento desses indivíduos muitas vezes é aumentado pela falta de inclusão no próprio ambiente de trabalho, em que o indivíduo não apenas sofre preconceito por parte do empregador, colegas de trabalho, entres outros, mas também é afetado por faltas de ações da empresa para a sua inclusão, como, por exemplo, a falta de um treinamento específico ou a não adaptação de tarefas, o que torna muito difícil a execução do trabalho.

Infelizmente, é inegável que muitas das contratações de PCDs ocorrem unicamente devido a obrigatoriedade da legislação, além de apresentar uma conotação de “caridade” para as pessoas com deficiência, minimizando seus esforços e habilidades. Assim, esse indivíduo é frequentemente visto pelos colegas de trabalho como “estranho”, incapaz de realizar as atividades como os outros colegas de trabalho. Esse fato impede a efetivação da inclusão nos trabalhos.

Segundo Sassaki (2003), citado por Moreira, Araújo e Romagnoli (2006), o sucesso da inclusão no ambiente de trabalho envolve também a capacidade da empresa em tornar o trabalhador independente e emponderado. Porém, isso não é observado quando se trata dos funcionários com deficiência, que acabam sendo excluídos por preconceito ou falta de adaptação de suas atividades e do ambiente de trabalho, mesmo que isso seja garantido por Lei. O que de fato se observa é que essa “falta” de inclusão causa grande sofrimento para os PCDs que muitas vezes possuem dificuldade em conseguir estabilidade em um emprego, podendo até mesmo desistir da sua inserção no mundo do trabalho.

Assim, percebemos que ao invés de se adaptar, como previsto por Lei, a sociedade prefere problematizar a entrada de pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho.

Além de que é válido ressaltar que esses trabalhadores não sofrem apenas com o preconceito e a falta de inclusão, mas também com outras violências que podem ocorrer, como trabalho escravo, assédio sexual e moral, entre outros.

Ademais, pensando também a partir do olhar clínico, é importante entender a influência do plano inconsciente nas práticas de discriminação, uma vez que é nesse lugar que esses sujeitos são situados como “estranhos” e para Freud, esse estranhamento “não é nada novo ou alheio, porém algo que é familiar e há muito estabelecido na mente e que somente se alienou desta através do processo da repressão”. (FREUD, 1919, p. 301 apud OLIVEIRA; ARAÚJO; ROMAGNOLI, 2006, p. 86). Por isso, buscamos evitá-los, a partir do momento que são vistos como fontes de desprazeres, no “confronto de um ‘exterior’ estranho e ameaçador.” (FREUD, 1974, p. 85 apud OLIVEIRA; ARAÚJO; ROMAGNOLI, 2006, p. 86).

Com isso, embora a legislação garanta o direito ao trabalho às pessoas com deficiência, observa-se a não efetivação desse direito, uma vez que esses trabalhadores não recebem muitas vezes a adaptação necessária para executar seu trabalho, além do preconceito que sofrem.

Portanto, é necessário discutir as políticas públicas de empregabilidade para pessoas com deficiência para que elas de fato sejam incluídas no mercado de trabalho, avaliando, assim, questões jurídicas, mas também psicológicas e sociais que não garantem essa plena inclusão.

Trata-se certamente de um desafio que ultrapassa as dimensões jurídicas e normativas, pois a dificuldade de estabelecer uma lógica realmente inclusiva está no enraizamento social de uma cultura que se recusa a aceitar a alteridade e reconhecer efetivamente seus direitos em todos os campos, inclusive e principalmente no trabalho.

[1] Na época da publicação do artigo aqui resenhado, era utilizada a expressão Pessoas Portadoras de Deficiência (PPD). Entretanto, na atualidade a expressão considerada correta é Pessoa Com Deficiência (PCD) e essa é a que será utilizada nessa resenha crítica.

Referências:

OLIVEIRA, Jacqueline Moreira; ARAÚJO, José Newton Garcia de; ROMAGNOLI, Roberta Carvalho. (2006). Dificuldades relativas à inclusão social das pessoas com deficiência no mercado do trabalho. LATIN-AMERICAN JOURNAL OF FUNDAMENTAL PSYCHOPATHOLOGY ON LINE ano VI, n. 1, maio, p.77-89.

 

*Graduanda em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, integrante do Grupo de Pesquisa: Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – PsiTraPP / PUC Minas.
**Doutor em Educação e Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Professor Adjunto na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas).

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