Psicologia social do trabalho e cotidiano: a vivência de trabalhadores em diferentes contextos micropolíticos

Psicologia social do trabalho e cotidiano: a vivência de trabalhadores em diferentes contextos micropolíticos

Por Milena Evellyn Pereira Drummond* e Bruno Márcio de Castro Reis**

Resumo: O artigo pretende ilustrar a perspectiva de uma psicologia social que se dedica aos estudos do trabalho a partir do cotidiano, âmbito privilegiado dos processos micropolíticos. Após situar a psicologia social do trabalho, examina três exemplos de pesquisa em diferentes contextos (empresas toyotistas, feira livre e cooperativas), nos quais se evidenciam distintos modos de vivenciar o trabalho, de agir e de produzir sentidos. São apontadas as contradições do discurso da flexibilidade e as formas de resistência dos trabalhadores nas empresas toyotistas, descrevem-se os processos organizativos da feira livre, que ocorrem na tensão entre cooperação e competição, e comparam-se as vivências como cooperados pautadas pelas relações cotidianas de trabalho estabelecidas em cooperativas distintas.

Palavras-chave: Psicologia social do trabalho, Cotidiano, Toyotismo, Feira livre, Cooperativismo.

O presente texto constitui uma resenha do artigo intitulado “Psicologia social do trabalho e cotidiano: a vivência de trabalhadores em diferentes contextos micropolíticos” com autoria de Leny Sato docente do Departamento de Psicologia Social e do Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e coeditora dos Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, sendo uma importante referência desta área de atuação no Brasil, Marcia Hespanhol Bernardo doutora em psicologia social pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e psicóloga do Centro de Referência em Saúde do Trabalhador de Campinas (CEREST), e Fábio de Oliveira, docente da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, psicólogo do Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, e autor do livro “Os sentidos do cooperativismo: entre a autogestão e a precarização do trabalho”.

O artigo resenhado foi publicado em 2008 na revista “Psicologia para América Latina”, uma publicação da União Latinoamericana de Entidades de Psicologia (ULAPSI), reunindo estudos que versam sobre as realidades e problemáticas da América Latina, objetivando a construção de melhores futuros para estes povos.

Bendassolli (2011) relata haver duas posturas assumidas pela psicologia em relação ao trabalho quando esta surge como ciência, uma constitutiva, que aceita algumas premissas que já estavam sendo colocadas em relação ao trabalho, como, por exemplo, a centralidade do trabalho postulada por Marx, e uma reconstitutiva, que traz contribuições específicas da psicologia, que se dão por meio de três diferentes eixos, o organizacional, o social e a clínica. No texto resenhado, as autoras e o autor apresentam a diferença entre os interesses e epistemologias fundantes do eixo organizacional e do social. O primeiro opera conforme as expectativas do corpo gerencial e do capital, e objetiva ampliar a eficácia e a produtividade por meio da resolução de problemas de gestão, o segundo busca compreender o trabalho pelo olhar do trabalhador, valendo-se dos estudos da psicologia social, toma a organização como fenômeno psicossocial, e inclui a leitura sobre a relação entre saúde e trabalho, entendendo a saúde como um direito, e não como um recurso para a produção, reivindicando, portanto, melhores condições de trabalho e de direitos sociais.

No artigo, as pesquisadoras e o pesquisador analisam vivências de trabalho em três diferentes contextos por meio da perspectiva da psicologia social do trabalho, buscando compreender os diferentes arranjos, permutações, combinações e negociações, analisando os processos cotidianos de trabalho como processos micropolíticos. Os contextos estudados são: fábrica toyotista, feira livre e cooperativas. O texto é resultado parcial de um projeto de pesquisa desenvolvido com apoio do CNPq, e reúne os estudos de Bernardo sobre o modelo toyotista, de Sato sobre a feira livre, e de Oliveira sobre o cooperativismo.

Em relação ao primeiro, as autoras e o autor tecem uma crítica a forma como vem sendo divulgado o modelo toyotista, sinalizando como as promessas de maior humanização por meio da organização “flexível”, se comparado aos modelos fordista e taylorista, são, na verdade, ilusórias, e que o que ocorre é uma exploração máxima da força de trabalho, por meio de uma sofisticação que permite que as empresas exerçam poder sobre os corpos e também mentes dos trabalhadores, colocando a serviço dos interesses da produção até mesmo a inteligência e criatividade do trabalhador. Assim, relatam que os trabalhadores denunciam uma exploração física e mental acentuadas que impossibilitam o desejado engajamento subjetivo.

A feira livre é entendida como um espaço em que trabalho, arte e sociabilidade convivem, e objetiva garantir as condições de sobrevivência dos trabalhadores. Possui uma tímida definição de regras por parte do poder público que abre espaço para a capacidade organizativa e autônoma dos feirantes em uma estrutura horizontal, que possibilita um equilíbrio entre cooperação e competição. No artigo também são explicitadas as razões da resistência da feira livre apesar da concorrência dos super e hipermercados.

Quanto às cooperativas são comparadas duas vertentes, uma que se alinha ao discurso gerencial de flexibilização – no caso, flexibilização das relações de trabalho – e que, portanto, guarda fortes semelhanças com o modelo toyotista, sendo nomeada de cooperativas de mão-de-obra, e outra em que há de fato um sentido emancipador, com a presença de uma capacidade auto-organizativa coletiva, aproximando-se da vivência da feira livre, nomeada pelas autoras e autor de cooperativas autogeridas, em que o sujeito é entendido como um sócio-trabalhador.

O artigo, ao trazer esses diferentes contextos de trabalho analisando-os como fenômenos psicossociais, ilustra a forma como a psicologia social constrói o trabalho, constituindo-se, portanto, como uma boa leitura para quem deseja conhecer esse eixo da psicologia do trabalho. Ressalta-se a importância deste ao criticar a forma e a intencionalidade como a psicologia age no trabalho, e coloca no centro de nossa prática a pergunta a respeito de a quem queremos servir através da nossa ciência, convidando-nos, enquanto profissionais em defesa dos direitos humanos, a assumir um posicionamento ético-político diante das condições micropolíticas, de assimetria e de exploração da força de trabalho.

Referências:

Bendassolli, P. F. (2011). Crítica às Apropriações Psicológicas do Trabalho. Psicologia & Sociedade, 23 (1): 75-84.

Sato, l., Bernardi M.H., de Oliveira, F. (2008). Psicologia social do trabalho e cotidiano: a vivência de trabalhadores em diferentes contextos micropolíticos. Psicol. Am. Lat., n.15.

*Milena Evellyn Pereira Drummond, estudante de psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, ex-integrante do Grupo de Pesquisa: Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – PsiTraPP / PUC Minas.

**Bruno Márcio de Castro Reis – Psicólogo, mestre em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Pesquisador no PsiTraPP – PUC Minas.

Deixe uma resposta