Carta a Conceição

Carta a Conceição

Por Ana Rita Assis Cardoso de Souza*

16 de Março de 2022

Querida Conceição Evaristo,

Nunca imaginei escrever uma carta para você. Talvez por te admirar demais. Agora, começamos a estudar sua escrevivência em um grupo de pesquisa, e eu, que sempre te li na literatura, vejo seu espaço na academia. É bonito. Como tudo que te toca.

O termo em que você teoriza a escrevivência, muito nos ensina. A verdade é que trabalhar com a proximidade do que te é real, de suas emoções e vivências, mostra uma profundidade da vida que às vezes falta em nossa área. Compreender que a escrita é espaço de luta e de denúncia, que é uma maneira de ressignificar o presente, levando em conta o passado e toda a história social e individual, é o que buscamos como intervenção. Mas além disso, e talvez o mais importante, é verificar que mesmo com toda a pesquisa, a literatura e a arte são papéis fundamentais para a busca e o contato entre os seres humanos. Acho que é isso que você vem ensinando para nós.

Nosso grupo entende o impacto do afeto, e como futuras psicólogas, estudar suas pesquisas e experiências de vida é um exemplo palpável a respeito. Importante distinguir que quando citamos essa palavra, não falamos do lugar de emoções e sensações boas, mas sim do afetamento, em que entendemos ao estudar em Guattari e Deleuze, que tudo de fora tem um efeito subjetivo, não importa o que, e isso gera impacto sobre nossas percepções. Achei crucial dizer, pois sua escrita é também pelo marginal, um lugar que não é escutado e que sofre a bastante tempo. O afeto é grande ao compreender suas falas, e isso permite com que nossa consciência ao entrar em um espaço, mude de foco e passe a dar a palavra, ou melhor, escrever a palavra.

Estudamos que o resgate da memória provoca mudanças na realidade de cada sujeito, que abrir espaço para o relato é complexo e exige muita atenção. O presente, só se faz com o encontro do passado. Com escrevivência, entendemos que o dizer escrito, partindo das experiências de vida e seus afetos, envolvem também o indivíduo, e mais que isso, constrói o coletivo.

Finalizo essa breve carta dizendo que cada dia aprendemos mais, e buscamos com todo nosso desejo, sermos mais humanos no trabalho, aprofundar nossas experiências e afetamentos. Você tem sido uma grande facilitadora para isso.

Imensamente agradecida por poder te escutar,

Ana Rita Assis.

 

Referências:

Duarte, C. L. Nunes, I. R. Escrevivência: a escrita de nós. Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Cap. 1 e 2. 1 ed, Rio de Janeiro: Mina comunicação e arte, 2020.

*Ana Rita Assis Cardoso de Souza: Estudante de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas e membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.

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