Uberização e Juventude Periférica: Desigualdades, autogerenciamento e novas formas de controle do trabalho

Uberização e Juventude Periférica: Desigualdades, autogerenciamento e novas formas de controle do trabalho

Por João Paulo Tomayno de Melo* e Daniela Piroli Cabral**

A pandemia iniciada no fim de 2019 atingiu o mundo em meados de 2020 trazendo diversos desafios e discussões sobre saúde, política e ética, e também sobre o trabalho e suas nuances. O cenário pandêmico serviu como fator agravante para um fenômeno que já se fazia presente no contexto brasileiro: a uberização do trabalho.

No artigo “Uberização e Juventude Periférica”, da autora Ludmila Abílio, as características dessa modalidade cada vez mais emergente são discutidas na tentativa de analisar o contingente de trabalhadores mais afetados e que mais aderem ao trabalho uberizado: a juventude negra e periférica. Conforme a autora estabelece, tal modalidade carrega pressupostos que já vem sendo enfrentado por esse público antes mesmo da uberização, quais sejam: a flexibilidade, a ausência de proteções, a ampliação do tempo de trabalho não pago, dentre outros.

A uberização, conforme definida pela autora, configura-se como uma nova etapa (ou um agravamento) da terceirização do trabalho, sob o qual os trabalhadores são vinculados a plataformas digitais e atendem a demandas, muitas vezes excessivas e sem nenhum vínculo ou relação protegida com as empresas. Elas alegam realizar apenas a mediação entre a prestação de serviço e o trabalhador, isentando-se da responsabilidade de arcar com as custas legais que são necessárias na relação entre a empresa e o trabalhador.

A autora concentra seus esforços em pesquisar sobre os jovens trabalhadores uberizados que utilizam a bicicleta como meio de trabalho, os chamados bikeboys. Tais trabalhadores, além de padecer de todas as questões relativas à uberização, são expostos a mais riscos e necessitam empregar um esforço físico consideravelmente maior do que os motoboys, que são considerados como um nível acima dos bikeboys. Os dados apresentados pelo artigo trazem luz à realidade alarmante vivida por esses jovens trabalhadores.

Segundo os dados extraídos da pesquisa realizada pela Aliança Bike, 71% dos trabalhadores sob regime de uberização são negros, e 75% deles possuem menos de 27 anos de idade. Seus ganhos mensais giram em torno de R$936,00, sendo que mais da metade deles trabalha entre nove e doze horas por dia, de segunda a domingo. Em comparação, os entregadores terceirizados celetistas e autônomos da empresa Carbono Zero Courier, 38% declararam ter rendimento mensal acima de R$1.500; os que recebem até R$1.000 são 22% (ABÍLIO, 2020). A partir dessas informações, é possível constatar uma desvalorização do trabalho dos bikeboys em relação aos outros trabalhadores de entregas.

Além disso, os bikeboys enfrentam limitações legais e do ambiente físico em seu trabalho. Nesse sentido, as bicicletas não são reconhecidas como meio de transporte de carga pela Anvisa e a ANTT, fato que limita o desenvolvimento e investimento de bicicletas que sejam mais adequadas para esses trabalhadores e que ofereçam menos riscos ao trabalhador.

Em relação ao ambiente físico, os bikeboys precisam enfrentar o trânsito ao lado de carros, caminhões e motos, sofrendo o risco de se acidentarem, dada a ausência ou a limitação das vias próprias para ciclistas nos centros urbanos. É importante frisar que, em caso de acidentes sofridos, os trabalhadores são os únicos responsabilizados e não recebem amparo algum das plataformas para as quais trabalham. Conforme cita a autora, o número de ciclistas mortos no município cresceu 63,3% em 2019, totalizando 36 óbitos; uma das hipóteses relaciona esse dado com o aumento do número de bikeboys (ABÍLIO, 2020).

Fato mencionado pela autora e importante marco nos movimentos de resistência e reinvidicação dos trabalhadores uberizados foi a paralização, ou “brecagem”, promovida no dia 1º de julho de 2020.

Apropriaram‐se da condição de multidão, organizando‐se horizontalmente, por meio das redes sociais, em um movimento cuja construção aparece de forma dispersa, não podendo ser localizada na figura de uma única organização, liderança, sindicato ou partido. Demandaram aumento no valor da hora de trabalho, fim dos desligamentos injustificados e fornecimento de equipamentos de proteção e segurança durante a pandemia. Além de ocuparem vias das cidades, bloquearam saídas de centros de distribuição e de locais com alta demanda por entregas. Por meio das redes sociais, estimularam os consumidores a não fazer pedidos e a desinstalar ou avaliar mal os aplicativos de entrega. (ABÍLIO, 2020, p. 594).

Através da “Brecagem dos Apps”, os trabalhadores demonstraram sua insatisfação com suas condições de trabalho, do qual não podem abrir mão em razão da condição econômica e de desemprego do país.

Por fim, a autora conclui afirmando que a pandemia não inaugurou esses conflitos, mas serviu para torná-los ainda mais sérios e dignos de devida atenção. O trabalho e a economia foram afetados gravemente pelo distanciamento social e as medidas sanitárias, forçando os trabalhadores a buscarem formas alternativas de sobrevivência. A baixa oferta de empregos e a precarização do trabalho decorrente das mudanças nas leis trabalhistas compõe um cenário alarmante, tornando o ambiente mais propício para novas violações de direitos. Com isso, é importante que a uberização seja pautada e devidamente abordada, trazida para discussão no meio civil e legal, visto que têm oferecido grande risco e pouquíssimo amparo aos jovens trabalhadores que o desempenham.

Referências:

ABÍLIO, Ludmila C. Uberização e juventude periférica. Desigualdades, autogerenciamento e novas formas de controle do trabalho. Novos Estudos. CEBRAP, v.39, n. 3, p.579-597, 2020a. https://doi.org/10.25091/s0101330020200003000

*João Paulo Tomayno de Melo, estudante de psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, escritor, auxiliar de RH e membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.

** Daniela Piroli Cabral, é Terapeuta Ocupacional (UFMG) e Psicóloga (PUC Minas), mestranda em Processos Psicossociais pela PUC Minas. Trabalha como Psicóloga na Gerência Ocupacional da Assembleia Legislativa de Minas Gerais(ALMG) e também em consultório particular. É membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.

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