A atuação do psicólogo no SUS: análise de alguns impasses

A atuação do psicólogo no SUS: análise de alguns impasses

Por Ana Tereza Netto Viana* e Rodrigo Padrini Monteiro**

Resumo: Este estudo discute alguns impasses atuais vividos pelo psicólogo no Sistema Único de Saúde – SUS. Sua hipótese é de que eles foram produzidos por dois fatores: (1) a porta de entrada dos psicólogos no SUS associada à reforma psiquiátrica; (2) o modelo prevalente de formação nos cursos de graduação que privilegiam a clínica privada. Esses fatores geraram ações profissionais que tendiam a reforçar um modelo de identidade profissional clássico centrado no atendimento individual, em detrimento de uma atuação mais inventiva no campo da saúde. Foi realizada uma discussão a partir da literatura que aborda essas questões. A apresentação de elementos da história do programa de saúde mental em Belo Horizonte serviu como campo particularizado de ilustração e de contraposição a alguns tópicos encontrados na revisão bibliográfica. O artigo realça a importância da ampliação da ação dos psicólogos nas equipes de saúde mental para além da clínica, sem, entretanto, desprezar sua relevância, e salienta a parceria com o Programa de Saúde da Família nesse processo.

Palavras-chave: Saúde mental; SUS; Formação do psicólogo; Saúde da família

O presente texto constitui uma resenha do artigo intitulado “A atuação do psicólogo no SUS: análise de alguns impasses” com autoria de Joao Leite Ferreira Neto, Professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas.

O artigo estudado nos traz hipóteses acerca da dificuldade da inserção de profissionais da psicologia no Sistema Único de Saúde – SUS, partindo de uma revisão bibliográfica para entender quais os empecilhos que estão no caminho dos psicólogos que atuam nessa área. Além disso, o texto traz a importância da atuação dos psicólogos nos programas governamentais voltados para a saúde mental.

Primeiramente, é necessário entender que a inserção dos profissionais da psicologia no SUS aconteceu após a reforma sanitária, a luta antimanicomial e a reforma psiquiátrica, quando foi aberto um novo leque de possibilidades de trabalho para os psicólogos, os quais poderiam atuar no Programa de Saúde da Família – PSF, por exemplo, ou em outros projetos que viriam a surgir posteriormente.

Segundo o autor:

É importante observar que a relação entre as duas reformas, a psiquiátrica e a sanitária, caminhou entre momentos de conjunção e de disjunção. Inicialmente, sua origem é disjunta, mas a década de 80 marcou uma primeira conjunção a partir da “tática desenvolvida inicialmente no seio do movimento sanitário, de ocupação de espaços públicos de poder e de tomada de decisão como forma de introduzir mudanças no sistema de saúde” (Amarante, 1998, p. 91). A chamada Nova República tornou-se o apogeu dessa tática de ocupação, quando o movimento sanitário, junto ao da reforma psiquiátrica, se confundiu com o próprio Estado. (Ferreira Neto, 2010, p.392).

Citando a I Conferência Nacional de Saúde Mental e II Encontro Nacional dos Trabalhadores em Saúde Mental, e a produção da consiga “por uma sociedade sem manicômios”, o autor indica como as diretrizes apontavam para um caminho de alargamento das fronteiras da luta e inclusão de toda a sociedade na discussão sobre a loucura, pensando estratégias que iam além da atividade simplesmente assistencial, mas que abrangiam ações em outros âmbitos do Estado. Para o autor, um conjunto de iniciativas materializadas, por exemplo, na Lei federal nº 10.216/2001 e na implementação do Programa de Saúde da Família – PSF, que enfatiza a atenção básica, fazem parte de uma progressiva implementação do SUS e de uma reorganização de todo o trabalho em saúde mental.

Especificamente sobre o trabalho do psicólogo no SUS e sua configuração, Ferreira Neto (2010) indica que ele envolveria a atuação em seis eixos:

Atendimento à demanda específica (doença mental), apoio aos demais programas dos centros de saúde “integrando a saúde mental no contexto global da saúdeapoio técnico ao nível primário, articulação com os recursos das comunidades (escolas, creches, hospitais, associações de bairro), atendimento à criança e avaliação periódica do Programa. Apenas no primeiro eixo é mencionada a “necessidade de uma atenção especial aos egressos. Finalmente, as equipes foram formadas para um trabalho de “integração” com os hospitais psiquiátricos, no sentido de evitar “internações desnecessárias(Secretaria Estadual de Saúde, 1985, p. 7). Não se falava ainda em substituição do modelo hospitalar. (Ferreira Neto, 2010, p.396)

Dado essa informação, é possível identificar dois obstáculos para a inserção do psicólogo nesse sistema. O primeiro consiste com a formação desses profissionais que, desde o estudo universitário, têm contato prioritário e quase exclusivo com a prática clínica tradicional, centrada no atendimento individual. Muitos saem da faculdade tendo apenas a opção de um consultório como uma ambição na carreira, buscando atender na clínica particular e não ampliam seus horizontes como um trabalhador na psicologia. Segundo o autor, “vários estudos têm sido feitos sobre a tradição de décadas de ensino em Psicologia voltado para o exercício autônomo e liberal da profissão em consultórios particulares” (Ferreira Neto, 2010, p.393).

O segundo desafio remete à diferença de condições e organização do trabalho. Na saúde pública, o profissional atuaria na condição de trabalhador assalariado, assim como em outras políticas e instituições, o que gera a ele um horário de trabalho pré-definido e respeito à hierarquia, tendo, também, como partes fundamentais do trabalho, a atuação nas equipes multidisciplinares e no apoio matricial, além de avaliações de produtividade. O psicólogo não precisaria lidar com essas e outras questões em sua própria clínica.

Pode-se dizer, ainda, que o trabalho na clínica particular possui o caráter elitista, com o profissional de classe média atendendo pacientes de sua mesma classe, algo que muda nos atendimentos do SUS, quando o psicólogo passa a atender uma clientela oriunda das classes populares. Dessa maneira, o psicólogo teria que se adequar aos espaços múltiplos de atendimento e com as diferentes condições sociais com as quais estaria lidando, o que não é uma tarefa simples, já que a formação do profissional é voltada prioritariamente para o modelo de consultório.

Colocando em evidência a estratégia de saúde da família, com atuação na capital mineira, observa-se que existe uma preocupação que vai além do desmonte do ambiente manicomial, e da lógica de internação dos pacientes, buscando uma inserção comunitária e social. As equipes que integram a ESM (equipes de saúde mental) seriam responsáveis por atender aqueles sujeitos com sofrimento mental grave, enquanto os profissionais da ESF (equipes de saúde da família) se ocupariam das necessidades clínicas desses indivíduos.

Com a criação das ESF, pretendia-se encontrar profissionais que conseguem dar assistência, mas também trabalhar com a maior inserção comunitária e social (Ferreira Neto, 2010), bem como atuação com outro profissionais, o que é um desafio, pois seria necessário superar o paradigma médico, dando visibilidade para cada tipo de profissão que atua na área da saúde.

Em Belo Horizonte o programa de saúde mental foi oficialmente implantado em 1984 (Ferreira Neto, 2010, p.395), durante esse período diversos profissionais da saúde progressistas ocuparam e desempenharam papeis de destaque na Secretaria Estadual de Saúde. No ano posterior, foram criadas 23 equipes de atendimento especializado na capital mineira, na época ainda não se utilizava das ESF e ESM, a saúde mental era tratada no contexto global da saúde. É importante ressaltar que os profissionais de RH recebem uma menção fundamental no programa, pois eles iriam garantir que os profissionais estivessem aptos para trabalhar com a proposta das equipes, trazendo encontros e debates, a fim de conseguirem fazer uma reflexão critica sobre o que estava ali sendo estabelecido.

É possível notar que o psicólogo possui diversas funções de atendimento dentro do Sistema Único de Saúde, além de ter que lidar com pacientes, também é preciso que o profissional consiga estabelecer uma relação com a equipe multidisciplinar que atua nesse ambiente. Diante desse cenário, a psicologia do trabalho poderia contribuir com elementos teóricos para compreender o contexto no qual esses profissionais atuam, procurando por motivações internas e externas que serviriam de atrativo para ingresso nesse tipo de serviço, ou para continuar nesse campo. Além disso, seria de extrema importância trabalhar com os conflitos gerados pela atuação em equipes, desenvolvendo estratégias que visem o melhor ambiente possível para a convivência, em como o desenvolvimento de um bom ambiente de trabalho.

Conclui-se, portanto, que há uma circunstância que exige ampliação dos trabalhadores da saúde mental, porém a formação de tais profissionais, bem como a identificação dos psicólogos como sujeitos que atuam exclusivamente na clínica, trazem um problema para inseri-los como trabalhadores no sistema único de saúde. Ademais, ressalta-se que a implantação do programa de saúde da família possui grande importância para a mudança na atenção e assistência de saúde mental de diversas classes sociais que necessitam desse apoio.

Referências:

Ferreira Neto, João Leite; A atuação do psicólogo no SUS: análise de alguns impasses. Psicologia: Ciência e Profissão [online]. 2010, v. 30, n. 2 [Acessado 22 Junho 2021], pp. 390-403. Disponível em: <hç>. Epub 12 Ago 2011. ISSN 1982-3703. https://doi.org/10.1590/S1414-98932010000200013.

*Ana Tereza Netto Viana é Bolsista de iniciação cientifica Psitrapp, estudante de psicologia do 6º período na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas / Coração Eucarístico.

**Rodrigo Padrini Monteiro é mestre e doutorando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas e membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp

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