Marcadas pelo mercado: inserção profissional e carreira de mulheres transexuais e travestis

Marcadas pelo mercado: inserção profissional e carreira de mulheres transexuais e travestis

Por Andrízia Gomes Pereira* e Rafael Nascimento de Castro**

Resumo

Mulheres transexuais e travestis enfrentam barreiras relacionadas à transição de gênero que incidem diretamente sobre sua empregabilidade e inserção no mercado formal de trabalho, além de afetar seu planejamento de carreira. Nesse sentido, este estudo teve como objetivo investigar a inserção profissional, a percepção de barreiras e planejamento de carreira de mulheres transexuais e travestis. A partir da análise de conteúdo de entrevistas individuais constatou-se a percepção de múltiplas barreiras em função do gênero e a ausência de planejamento de carreira devido à falta de suporte.

Palavras-chave: Carreira, Barreiras, Mulheres, Transexuais, Travestis.

O presente texto constitui uma resenha do artigo intitulado Marcadas pelo mercado: inserção profissional e carreira de mulheres transexuais e travestis com autoria de Karolyn Marilyn de Oliveira Santos e Lígia Carolina Oliveira-Silva da Universidade Federal de Uberlândia, MG. Tal artigo foi publicado pela revista Cadernos Pagu em 2021.

Neste artigo as autoras investigaram inserção profissional, percepção de barreiras e planejamento de carreira de mulheres transexuais e travestis. No que tange a este último aspecto, Santos e Oliveira-Silva (2021) defendem a importância de se pensar no planejamento de carreira como forma de enfrentamento de dificultadores recorrentemente impostos a esse público. Já estigmatizado socialmente, não se deparam com uma realidade diferente ao buscarem por inserção no mercado de trabalho, que em coerência com a os outros espaços, promovem e desempenham preconceitos diversos as mulheres transexuais e travestis.

Observa-se que a violação de direitos para essa população ocorre de forma mais prematura, um exemplo disso é a estimativa levantada pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA, 2018) apontando que travestis e transexuais são expulsas de casa pelos pais, em média, aos 13 anos de idade. Consequentemente, percebe-se também uma evasão escolar substancial, tanto por vivências de preconceitos e hostilidades, como também por falta de rede de apoio, o que corrobora para outro dificultador para inserção no mercado de trabalho, a falta de escolaridade e capacitação.

Desta forma, o que vai sendo estabelecido como norma, é o que as autoras caracterizam como “ciclo vicioso”, destacando a perversidade de um movimento contínuo que atua em favor da exposição prevalente dessas pessoas a desproteção e invisibilidade social, reverberada também pela falta de oportunidades no mercado de trabalho, em especial o mercado formal.

É frente a este cenário que, na maioria das vezes, o que resta as travestis e transexuais são os trabalhos subalternos, com pouco reconhecimento social, como a prostituição, que inclusive pode oferecer risco a essas pessoas, ou trabalhos na área da estética, moda e alimentos. Nesse sentido, percebe-se que as experiências profissionais vão sendo constituídas não no campo da escolha ou do desejo, mas pautando-se naquilo que resta, ou seja, os trabalhos precarizados, corroborando para mais uma forma de violação.

As que conseguem adentrar no mercado de trabalho informal, apesar de processos seletivos claramente não planejados para essas pessoas, continuaram a se deparar com diversos empecilhos, como o desconhecimento e falta de preparo das empresas para lidar com as especificidades desse público, resultando em preconceitos relacionados por exemplo ao uso do nome social. Não obstante, práticas marcadas pela exclusão, intolerância, falta de valorização, acúmulo de funções e até mesmo assédio sexual não são incomuns. Acrescenta-se ainda ser habitual a imposição de dificuldades para promoção de pessoas transexuais e travestis, além de demissões quando é deflagrado o processo de transição e a pessoa já tenha um vínculo empregatício.

Na pesquisa realizada pelas autoras com cinco pessoas que se identificavam como mulheres transexuais e travestis, puderam mapear algumas barreiras no que tange a carreira profissional. Dentre eles, destaca-se como principal a transfobia, que aparecerá também como ações discriminatórias diversas relacionadas ao estigma social, padrão estético e até mesmo assédio sexual por superiores hierárquicos. Na fala de uma das participantes: “Já me disseram: olha enquanto você estiver fazendo entrevista vestido desse jeito, você não vai arrumar serviço” (Santos & Oliveira-Silva, 2021. p.12).

Outra barreira identificada pelas autoras foi a barreira das dificuldades financeiras. Quanto a esta, observou-se no contato com as mulheres transexuais e travestis entrevistadas que, para além da falta de oportunidades, aspecto discutido anteriormente, a vivência de privação de recursos para o suprimento de necessidades básicas, obviamente, constitui-se como dificultador e impacta no desenvolvimento da carreira. A falta de aporte financeiro contribui para exclusão e impede a concretização de planejamentos. Nessa conjuntura, relata uma das entrevistadas “Eu tive que entrar na vida de prostituição e não foi porque eu quis, foi por necessidade. Eu precisava de dinheiro. Eu queria fazer curso para me qualificar mais, não consigo, curso pela prefeitura travesti não consegue” (Santos & Oliveira-Silva, 2021. p.13).

Perante tais relatos, Santos e Oliveira-Silva (2021) argumentam que o planejamento de carreiras com o público trans e travesti poderia constituir-se como forma de superação das barreiras estabelecidas, mas que um fator significativo neste processo é a rede de apoio. Ocorre que, novamente para este público, o que se observa é uma precarização também das relações sociais. A rede de apoio que é de extrema relevância no enfrentamento do estresse resultante de tantas violações, parecem escassas ou inexistentes para pessoas trans e travestis, resultando em mais um potencializador da exclusão e fragilização no vínculo com a sociedade, inclusive quanto à empregabilidade. Conforme relata uma das participantes: “Na verdade eu nunca planejei minha carreira porque nunca tive suporte” (Santos & Oliveira-Silva, 2021. p.15).

Logo, conclui-se que a privação ao trabalho, em especial formal, corrobora também com a exclusão destas pessoas ao intercâmbio social, haja vista que o trabalho se configura enquanto um dos principais fatores que regula não apenas a subsistência material, mas a sociabilidade, reconhecimento e até mesmo validação da pessoa enquanto cidadã. Logo, a impossibilidade de inserção se insere nessa dinâmica contínua, que corrobora para manutenção de tal público à margem da sociedade.

Ademais, faz-se necessário pensar não apenas em estratégias para inserção no mercado de trabalho, mas também para manutenção, permanência e desenvolvimento desse público, haja vista que esse processo ocorrerá marcado por diversos desafios. Nesse sentido, Santos e Oliveira-Silva (2021) salientam para importância de políticas públicas, como também das organizações do terceiro setor, assim como das universidades na proposição e investimento em projetos que objetivem a inclusão profissional do público trans e travestis. Além de provocarem um olhar para escassez de pesquisas que poderiam embasar ações e projetos a essa comunidade.

Referências:

Santos, Karolyn Marilyn de Oliveira e Oliveira-Silva, Lígia Carolina. Marcadas pelo mercado: inserção profissional e carreira de mulheres transexuais e travestis. Cadernos Pagu [online]. 2021, n. 62. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/18094449202100620021>. Epub 01 Out 2021. ISSN 1809-4449. https://doi.org/10.1590/18094449202100620021

Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e Bolsista de Iniciação científica do Grupo de Pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais (PSITRAPP).

Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestre em Psicologia, Especialista em de Pessoas, Psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e membro do Grupo de Pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais

 

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