A (IN)Esperada Pandemia e suas Implicações para o Mundo do Trabalho

A (IN)Esperada Pandemia e suas Implicações para o Mundo do Trabalho

Por João Paulo Tomayno de Melo* e Daniela Piroli Cabral**

O presente texto se propõe a analisar o artigo produzido por Kelen Cristina Leite que aborda como a pandemia da COVID-19 afetou as lógicas que envolvem o mundo do trabalho, sob uma perspectiva da precarização promovida por políticas associadas ao neoliberalismo.

Inicialmente, a autora fala sobre a pandemia da COVID-19 e como sua vinda abrupta forçou tanto a população quanto o Estado a adotar medidas para conter a proliferação do vírus e a reelaborar as lógicas de trabalho, de forma a tanto conservar a saúde das pessoas quanto suprir as demandas sociais e econômicas que permeiam o trabalho.

Enfocando no contexto brasileiro e citando também o americano, justamente por se tratarem de Estados em que a lógica neoliberal predomina, ora de formas discretas, ora de forma mais deliberada, o artigo elucida como esse direcionamento afetou as formas como os governantes empregaram seus discursos e ações baseadas nesse modelo de gestão. Por conseguinte, a autora não se propõe a analisar o fenômeno do neoliberalismo em sua gênese e tampouco seu contexto histórico, mas sim como esse posicionamento político tem influenciado as maneiras de compreensão da sociedade tanto por parte dos sujeitos quanto como um coletivo.

Durante o momento inicial da pandemia, posicionando-se de maneira contrária a estadunidense e a brasileira, muitos países europeus e asiáticos adotaram a intervenção do Estado como medida emergencial para lidar com a crise. Nas terras norteamericanas, a população sofreu com a falta de serviços públicos de saúde que poderiam oferecer atendimento a todos. O Brasil notoriamente conta com um modelo diferente de saúde pública, o que deveria ter facilitado as ações de cuidado da população frente ao contexto pandêmico, mas a realidade revelou-se contrária a isso.

O governo federal também não demonstrou empenho para tentar salvar dessa situação as empresas de menor porte, falhando em manter saudável tanto a economia quanto a própria população diante da pandemia, o que, como se viu, levou ao aumento das desigualdades sociais e expôs as fragilidades da sociedade em que vivemos.

Logo, discussões teóricas acerca do papel e da usualidade do neoliberalismo voltaram a ganhar força quando as posturas dessa orientação política começaram a ser confrontadas com suas próprias contradições. Os supostos ideais de liberdade absoluta foram colocados em xeque diante da ascensão cada vez mais constante dos discursos de ódio e de posicionamentos radicais, tendo seu principal expoente na eleição de Donald Trump em 2016. A própria tolerância irrestrita teve sua ineficácia apontada quando os discursos contrários a aqueles que exercem os cargos de poder e liderança estatal passaram a tratar seus rivais políticos e ideológicos não como merecedores de voz e existência, mas como inimigos a serem eliminados.

Sobre isso, a autora afirma:

Assim, o neoliberalismo, seja pelas suas capacidades seja pela ineficiência da sua oposição, se reforça da hostilidade que ele mesmo gerou. O neoliberalismo é capaz – e está demonstrando – de desfrutar da raiva, das frustrações, dos ressentimentos provocados pelo próprio neoliberalismo, isto é, provocados pelas suas consequências socioeconômicas reforçando, com isso, o seu poder e a sua liberdade de ação (LEITE, 2020, p. 9).

Como uma forma mais sofisticada e renovada do capitalismo, o neoliberalismo busca se adequar às mudanças sofridas pelo mundo e agrava a precarização da parcela que é real geradora de renda e riqueza, o trabalhador. Invariavelmente esse contexto também o afetaria, na forma de reformas trabalhistas e previdenciárias que agravam ainda mais o cenário de precarização do trabalho. Isso, conforme cita a autora, não resolveu a situação do desemprego, mas apenas a aprofundou ainda mais:

No curto prazo, o relatório aponta que os países que relaxaram suas regras, bem como níveis então existentes de proteção dos(as) trabalhadores(as), experimentaram um aumento na taxa de desemprego e não o contrário, ou seja, menos direitos não significa mais empregos (LEITE, 2020, p. 8).

Sob a orientação de a suposta e falaciosa afirmação de que “há um excesso de direitos” e a recorrente argumentação segundo a qual de que deveríamos escolher por “direitos ou trabalho”, o trabalhador acabou cada vez mais fragilizado e menos amparado diante da pandemia.

No cenário brasileiro, a autora define que:

O Brasil é caracterizado, historicamente, por profundas desigualdades sociais e econômicas e por uma estruturação precária do mercado de trabalho que aprofunda desigualdades e concentra renda, situação ainda mais agravada com a (contra)reforma trabalhista de 2017 e (contra)reforma da Previdência em 2019 (LEITE, 2020, p.11).

Devido a necessidade de isolamento social imediato, determinada parcela dos trabalhadores se viu forçada a se adaptar a essa nova realidade.  Houve a presença crescente dos formatos de home office, embora essa opção não fosse possível ou viável para a extensa maioria dos trabalhadores. É importante ressaltar que a situação do desemprego e da informalidade já se fazia presente no momento que precedeu à pandemia.

Boa parte dessa população de trabalhadores em situação de informalidade não puderam colocar em prática o isolamento social, expondo-se à infecção pelo coronavírus e evidenciando que, factualmente, a pandemia não afetou a todos igualmente como calhou-se afirmar. O luxo de trabalhar de casa ou afastar-se inteiramente dos empregos não é compartilhado pela parcela mais substancial da força de trabalho.

Nota-se, portanto, que a pandemia apenas evidenciou os problemas da ideologia neoliberal, conforme coloca a autora:

[…] o mercado de trabalho brasileiro se caracterizava por possuir uma taxa de desemprego aberto na ordem de 11%, mais 5% de desemprego oculto, totalizando uma população desempregada na ordem de 16%. Além disso, o mercado de trabalho brasileiro se caracteriza por baixos salários, ou seja, 30% da população empregada recebia até um salário mínimo. A elevada taxa de informalidade no mercado de trabalho, cerca de 50%, faz com que esses(as) trabalhadores(as) não tenham acesso aos já escassos direitos trabalhistas (LEITE, 2020, p. 12).

 Essa posição política também vem se entranhado a nível social, dentro e fora das casas das pessoas. Isso se prova, conforme a autora aponta, nos altos índices de violência doméstica, divórcios e agressões que surgiu em meio ao isolamento social compulsório. Em uma sociedade que fetichiza o individualismo social, econômico e subjetivo, o contato humano torna-se cada vez mais agressivo, tendo efeitos nos processos de subjetivação.

Os discursos adquirem cada vez mais um caráter de desdemocratização, conforme chama a autora, que torna-se evidentemente mais violento justamente porque demonstra a fragilidade dessa ideologia, que embora falsamente defenda os ideais de liberdade, tem como suas bases de sustentação o radicalismo e a perseguição aos direitos visados e conquistados, levando a uma erosão da própria democracia.

É importante também ressaltar a oportunidade de enfrentamento do neoliberalismo em especial nesse momento, em que suas maiores fragilidades foram evidenciadas. Em suas considerações finais, a autora afirma:

Eventos de proporções e consequências mundiais, como o alastrar-se da Covid-19, podem impulsionar discussões em torno da radicalização da democracia e dos bens públicos, como a importância e valorização de sistemas públicos de saúde; redes de proteção; a educação compreendida como um direito e um bem público; segurança, lazer, cultura, água, saneamento básico, o bem viver, enfim, políticas que se pautem pelo comum. No entanto, a fragilidade em torno de fortes movimentos sociais capazes de impulsionar tal perspectiva ainda persiste e pode limitar esse processo (LEITE, 2020, p. 15).

Cabe portanto questionar-nos sobre a quem de fato os discursos e lógicas neoliberais têm servido, considerando que os trabalhadores não têm se beneficiado das políticas impostas por governantes que seguem essa orientação, bem como o nosso lugar e as ações que podemos realizar para alterar essa realidade, tendo como pressuposto o trabalho como sendo estruturante da vida social, sendo elemento mobilizador de mudanças.

Referências:

LEITE, Kelen Christina. . A (in)esperada pandemia e suas implicações para o mundo do trabalho. Psicologia & Sociedade, 1-18, 2020. Disponível em:<https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0102-71822020000100408&script=sci_arttext>. Acesso em: 09 de maio de 2022.

*João Paulo Tomayno de Melo, estudante de psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, escritor, estagiário da equipe de Psicologia da ASSPROM (Associação Profissionalizante do Menor) e membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.

** Daniela Piroli Cabral, É Terapeuta Ocupacional (UFMG) e Psicóloga (PUC Minas), mestranda em Processos Psicossociais pela PUC Minas. Trabalha como Psicóloga na Gerência Ocupacional da Assembleia Legislativa de Minas Gerais(ALMG) e também em consultório particular. É membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.

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