Em tempos de coronavírus: home office e o trabalho feminino

Em tempos de coronavírus: home office e o trabalho feminino

Por Sabrina Marques Rezende* e Rafael Nascimento de Castro**

O artigo escrito por Thiele Costa Muller Castro, Carla Garcia Bottega, Priscila Pavan Detoni e Jaqueline Tittoni, intitulado “Em tempos de Coronavírus: home office e o trabalho feminino” publicado em 2020 pela revista NORUS – Novos Rumos Sociológicos, teve como objetivo colher narrativas autoetnográficas de um grupo de mulheres cisgêneras, brancas, professoras e/ou pesquisadoras, tais narrativas foram expressas em forma de diário relatando suas impressões e sensações a respeito do seu cotidiano em meio à pandemia, quais sejam, o trabalho em home office, os cuidados domésticos, os cuidados com a família, as notícias sobre a pandemia, além de política.

Identifica-se que o artigo propõe uma narrativa sob dois aspectos: a narrativa da experiência vivida neste meio pandêmico e a narrativa do lugar em que estas mulheres ocupam. Nesta ocasião, as autoras referenciam Butler para tratar desta construção de si:

Se tento dar um relato de mim mesma, e se tento me fazer reconhecível e compreensível, devo começar com um relato narrativo da minha vida. Mas essa narrativa será desorientada pelo que não é meu, ou não é só meu. E, até certo ponto, terei que fazer substituível para me fazer reconhecível. A autoridade narrativa do “eu” deve dar lugar à perspectiva e à temporalidade de um conjunto de normas que contesta a singularidade da minha história (BUTLER, 2015 apud CASTRO ET AL, 2020, p. 46)

Para além de um marco sócio histórico, o diário é uma ferramenta de compartilhamento das narradoras sobre suas ansiedades e angústias. O que notabiliza nestas construções individuais e coletivas o viés relacional/intersubjetivo. Deste modo, a narrativa autoetnográfica é uma metodologia que adequa ao que é proposto in casu, pois tenciona “as linhas que ligam narradora-narradoras, num exercício constante que nos tira desse sentir solitário para um sentir compartilhado-solidário” (Castro, et al., 2020, p. 47).

Assim, não lhes interessam a autoria mas a narrativa em si, um discurso coletivo no qual se torna utópico separar o pessoal, do teórico e do político.

Entrementes, é notório que o trabalho em home office é colocado como pano de fundo para que se desenvolvam os diversos aspectos que ele engloba no cotidiano das pesquisadoras. Em um primeiro momento foi destacado pelo artigo em voga o excesso de exposição tecnológica, segundamente versou-se sobre as atividades domésticas e, por fim, a respeito do ensino remoto.

Dito isso, passemos a analisar cada faceta supra referida alhures. No que tange ao excesso de exposição tecnológica, o artigo destaca a respeito das narrativas o seguinte.

Críticas que fazíamos ao teletrabalho e trabalho remoto em nossos estudos e pesquisas, agora fazem parte da nossa rotina. Andamos pela casa com o celular na mão, uma ferramenta indispensável, que Deleuze (1992, p. 224) nomina, de forma muito perspicaz, de “coleira eletrônica”. (Deleuze, 1992, apud Castro, et al., 2020, p. 48-49)

O termo coleira eletrônica sintetiza o que as autoras buscaram retratar a respeito da dependência exacerbada de aparelhos digitais. O artigo elucida que a exposição excessiva de eletrônicos durante a pandemia, como câmera, whatsapp, videoconferência, deu a estas mulheres professoras e/ou pesquisadoras, a sensação de jamais desconectarem e, concomitantemente estarem sempre disponíveis independente do horário. É uma invasão descabida da vida íntima e pública destas mulheres.

Outrossim, as narradoras foram uníssonas quanto a maior parte do trabalho doméstico lhes serem auferido, de modo que o artigo escancara a respeito da feminização, e feminilização, além da racialização deste trabalho. Afim de corroborar com tal premissa, eis trecho extraído de um dos diários:

Apesar de os pais também estarem em casa é o nome da mãe que é invocado pelas crianças, e na maioria das vezes são as mulheres que renunciam a seus trabalhos para atender as demandas domésticas. “Tenho a sensação de que meu trabalho é menos importante.” A mensagem que fica é que já existe uma regra estabelecida que é sempre a mulher quem vai abrir mão de seus compromissos em prol da família e do lar. (CASTRO, ET AL., 2020, p. 51-52).

Neste sentido, é incontroverso que a supra jornada, tanto do trabalho profissional, quanto do trabalho doméstico, no período da pandemia escancara o sexismo.

Ademais, o artigo foi sensível ao demonstrar que o excesso de trabalho executado por essas mulheres profissionais, que estão em home office, é demarcado pela ausência da empregada, em sua maioria, negras. A pandemia explicitou uma sociedade ainda demarcada pela racialização do trabalho. Defronte de todas estas considerações o artigo ainda menciona a respeito da desigualdade social, clarividenciando sobre os que detém o direito de se isolarem e os que não os possuem.

No que concerne às aulas online, as narradoras foram taxativas quanto a sua precarização e esgotamento. Afirmaram que com o objetivo de aumentar a quantidade de alunos e alunas, as instituições de ensino têm ampliado as plataformas online, o que torna o labor ímprobo e desvalorizado aos docentes.

Diante de todo o exposto é possível atestar que o artigo retratou de maneira robusta a semelhança das percepções e sensações entre as narradoras quanto ao bombardeio de notificações e as tentativas muitas das vezes exaustivas de conciliar o trabalho profissão e o trabalho doméstico, mas sem deixar de evidenciar seu lugar marcado de privilégios.

Referências:

CASTRO, Thiele Costa Muller et al. EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS: HOME OFFICE E O TRABALHO FEMININO. NORUS : Novos Rumos Sociológicos, Pelotas, v. 8, ed. 14, p. 40-64, 4 ago. 2020. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.php/NORUS/article/view/20017/12420. Acesso em: 18 out. 2021.

*Graduanda em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas), Advogada, Pós graduanda em Direito do Trabalho pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (CERS), Pós graduanda em Direito Previdenciário pelo Instituto de Estudos Previdenciários (IEPREV) e aluna de Iniciação científica do Grupo de Pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais (PSITRAPP).

**Doutorando em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Mestre em Psicologia, Especialista em de Pessoas, Psicólogo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) e membro do Grupo de Pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais (PSITRAPP).

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