A psicologia hospitalar e as equipes multidisciplinares

Por Ana Tereza Neto Vianna*, Rodrigo Padrini Monteiro**

Este texto constitui uma resenha do artigo “A psicologia hospitalar e as equipes multidisciplinares”, de autoria de Luciana Barcellos Fossi e Neuza Maria de Fátima Guareschi,publicado na revista da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, em 2004.

O artigo tem como objetivo esclarecer a atuação do psicólogo no campo hospitalar, colocando em foco a atividadedesse profissional, em conjunto com as equipes multidisciplinares. Faz- se importante ressaltar que a história dessa profissão ainda está sendo construída, já que a atuação do profissional da psicologia nesse ambiente é relativamente recente. Por esse motivo, é preciso definir efetivamente qual o papel do psicólogo nesse cenário, além do atendimento clínico tradicional.

É necessário perceber que a entrada dos psicólogos no hospital foi marcada por um tempo em que o mercado de trabalho estava saturado, pouco se sabia sobre esse profissional, suas funções não haviam sido preestabelecidas, e ainda não existiam muitos estudos teóricos sobre o tema (FOSSI; GUARESCHI, 2004).

Ao discorrer sobre a contextualização histórica da Psicologia Hospitalar, o CFP (2019) indica a fundação da Sociedade Brasileira de Psicologia Hospitalar, em 1997, como um marco importante. Com crescimento relevante de sua inserção nesse campo, a atividade do psicólogo hospitalar foi regulamentada pelo CFP, enquanto uma especialidade, por meio da Resolução CFP nº 014/2000. De acordo com a definição desta especialidade contida na Resolução CFP nº 13/2007, Anexo II, item VII:

Atua em instituições de saúde, participando da prestação de serviços de nível secundário ou terciário da atenção a saúde. Atua também em instituições de ensino superior e/ou centros de estudo e de pesquisa, visando o aperfeiçoamento ou a especialização de profissionais em sua área de competência, ou a complementação da formação de outros profissionais de saúde de nível médio ou superior, incluindo pós-graduação lato e stricto sensu. Atende a pacientes, familiares e/ou responsáveis pelo paciente; membros da comunidade dentro de sua área de atuação; membros da equipe multiprofissional e eventualmente administrativa, visando o bem-estar físico e emocional do paciente; e, alunos e pesquisadores, quando estes estejam atuando em pesquisa e assistência. Oferece e desenvolve atividades em diferentes níveis de tratamento, tendo como sua principal tarefa a avaliação e acompanhamento de intercorrências psíquicas dos pacientes que estão ou serão submetidos a procedimentos médicos, visando basicamente a promoção e/ou a recuperação da saúde física e mental. Promove intervenções direcionadas à relação médico/paciente, paciente/família, e paciente/paciente e do paciente em relação ao processo do adoecer, hospitalização e repercussões emocionais que emergem neste processo. O acompanhamento pode ser dirigido a pacientes em atendimento clínico ou cirúrgico, nas diferentes especialidades médicas. Podem ser desenvolvidas diferentes modalidades de intervenção, dependendo da demanda e da formação do profissional específico; dentre elas ressaltam-se: atendimento psicoterapêutico; grupos psicoterapêuticos; grupos de psicoprofilaxia; atendimentos em ambulatório e Unidade de Terapia Intensiva; pronto atendimento; enfermarias em geral; psicomotricidade no contexto hospitalar; avaliação diagnóstica; psicodiagnóstico; consultoria e interconsultoria. No trabalho com a equipe multidisciplinar, preferencialmente interdisciplinar, participa de decisões em relação à conduta a ser adotada pela equipe, objetivando promover apoio e segurança ao paciente e família, aportando informações pertinentes à sua área de atuação, bem como na forma de grupo de reflexão, no qual o suporte e manejo estão voltados para possíveis dificuldades operacionais e/ou subjetivas dos membros da equipe.

No trajeto de ingresso do psicólogo no ambiente hospitalar, descobriu-se uma necessidade que transcendia a clínica tradicional, sendo preciso que ele atuasse em conjunto a instituição como um todo, entrando em diversas áreas de sua profissão, como a psicologia organizacional e do trabalho, social e educacional. Portanto, o profissional da psicologia logo foi visto como sendo de suma importância para as equipes multidisciplinares que contemplam o setor hospitalar.

A equipe multidisciplinar é composta por profissionais de diversas áreas da saúde, tais como: médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas. Como são focadas em um sujeito específico, elas se integram de acordo com a necessidade de um determinado paciente, ou seja, não são pré-estabelecidas. No entanto, os médicos são protagonistas no cenário do hospital e decidem quais as técnicas e medicações utilizadas, além de indicar quando um determinado individuo poderá receber alta, o que cria um conflito interno no ambiente de trabalho, uma vez que, muitas vezes, eles se sentem superiores em relação aos outros profissionais da equipe e possuem sua autoestima atrelada a isso. Nesse sentido, segundo os autores, são percebidas disputas de poder e falta de conhecimento dos profissionais diversos sobre as outras modalidades que participam da equipe.

Outra questão que surge no hospital é a visão baseada nosenso comum que alguns profissionais de outras áreas possuem em relação ao trabalho do psicólogo. De acordo com os autores: “(…) o atendimento psicológico pode ser visto como algo desnecessário àqueles usuários que não apresentam comportamentos considerados não prioritários para o atendimento à saúde, ou ser considerado secundário por se tratar de uma demanda subjetiva” (FOSSI; GUARESCHI, 2004, p.39).

Ademais, surge o problema da falta de comunicação entre os profissionais da equipe. Nessa perspectiva, Fossi e Guareschi (2004) indicam que “no dia a dia do hospital os psicólogos muitas vezes ocupam o lugar de tradutores entre os médicos e os usuários, podendo tomar-se o entendimento de que as questões subjetivas são exclusivas do psicólogo e as orgânicas do médico” (FOSSI; GUARESCHI, 2004, p. 38).

Avaliando esse contexto os autores concluem que a psicologia tem como desafio articular a questão da saúde na prática junto com os outros profissionais das equipes multidisciplinares. Além de não restringirem suas atividades somente as práticas da saúde mental, exercendo um trabalho no campo de coletividade e promoção de bem-estar para, tanto os pacientes, quanto os demais profissionais que trabalham em conjunto.

Analisando o texto, o trabalho do psicólogo nesse ambiente e atrelando aos conhecimentos de psicologia do trabalho, faz-se necessário estudar se as questões colocadas nesse artigo, estabelecer se são um problema geral de todos aquelas que realizam esse trabalho, criando um material efetivo para a melhoria na qualidade de trabalho desses profissionais. Além disso, sugere-se descobrir o sentido, bem como o significado do trabalho para aqueles que estão colocados no hospital, para que seja possível pensar em técnicas que harmonizam com a motivação dos profissionais, melhorando sua produtividade e a relação naquele ambiente. Também recomenda-se trabalhar esse assunto durante a graduação em psicologia, pois o texto sugere um despreparo de profissionais recém-formados.

Ademais, como os profissionais atuantes desempenham diversos papeis da psicologia dentro do hospital, dentre eles o papel organizacional, é proposta a criação de grupos para que esses profissionais possam trocar experiências em comum, ajudando a si próprios a construírem um ambiente favorável com os outros profissionais. Finalmente, recomenda-se um diálogo em conjunto com as equipes multidisciplinares, para que o profissional da psicologia possa planejar o desenvolvimento de um ambiente favorável par todos que estão empregados ali, focando na resolução de conflitos e maior bem-estar no ambiente hospitalar.

Referências

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA – CFP. Resolução CFP nº 013/2007. Institui a Consolidação das Resoluções relativas ao Título Profissional de Especialista em Psicologia e dispõe sobre normas e procedimentos para seu registro. Brasília: CFP, 2007.

_________________________________________.Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) nos serviços hospitalares do SUS / Conselho Federal dePsicologia, Conselhos Regionais de Psicologia e Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas. 1. ed.Brasília: CFP, 2019.

FOSSI, Luciana Barcellos; GUARESCHI, Neuza Maria de Fátima. A psicologia hospitalar e as equipes multidisciplinares. Rev. SBPH, Rio de Janeiro, v. 7, n. 1, p. 29-43, jun.  2004.   Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516-08582004000100004&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 09 ago.  2021.

* Ana Tereza Netto Viana é estudante de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas e membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.

** Rodrigo Padrini Monteiro é mestre e doutorando em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas e membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.