Imigração e racismo na modernização dependente do mercado de trabalho

Imigração e racismo na modernização dependente do mercado de trabalho

Por Júlia Ribeiro de Freitas Valente* e Sara Nogueira Grassi**

Resumo

Em que medida a nova configuração da imigração recoloca o tema do racismo no Brasil? Por que o entendimento da dinâmica de funcionamento do mercado de trabalho é central para a investigação de como, historicamente, o racismo se manifesta em sua relação com a imigração? Na tentativa de responder essas questões, propõe-se uma leitura da obra de Florestan Fernandes que expõe a dialética entre o negro e o branco/imigrante para explicar o movimento de rebaixamento no mercado de trabalho, determinado pelo racismo e característico da modernização dependente do capitalismo periférico. Essas pistas analíticas são fundamentais para se identificar a atuação do racismo no presente e na realidade social “periférica” da imigração no Brasil.

Palavras-chave: Imigração; racismo; mercado de trabalho; capitalismo periférico.

 

O presente texto se trata de uma resenha do artigo “Imigração e racismo na modernização dependente do mercado de trabalho” escrito por Patricia Villen, doutora em Sociologia pela UNICAMP, Campinas-SP e publicado na revista Lutas Sociais em março de 2015. O artigo traz uma leitura da obra de Florestan Fernandes, importante sociólogo brasileiro, sobre a temática do racismo e sua relação com a imigração e o mercado de trabalho no Brasil. Nesse artigo destacam-se as obras “A integração do negro na sociedade de classes ” volumes 1 e 2.

Villen (2015), ao iniciar o texto, afirma que no contexto brasileiro, a história da imigração se mistura com a história do racismo. Portanto, o início da imigração relacionada ao trabalho passa a ter início durante a colonização, quando negros africanos foram forçados a vir para o Brasil e ter sua força de trabalho explorada. Com a abolição da escravidão, contudo, essa importação da força de trabalho passa a ter foco nos europeus. Ou seja, apesar de o Brasil estar vivendo uma crise do trabalho, já que os negros não poderiam mais ser tidos como escravos e a falta dessa mão de obra deveria ser suprida, ainda havia uma espécie de fronteira seletiva – um “imigrante ideal” – com a ideia de que o trabalho agora seria melhor, mais evoluído, e que os brancos seriam essenciais para esse processo. Logo, a imigração, nesse cenário, se torna sinônimo de progresso e também do branqueamento da população.

Para entender como a relação entre a imigração e o racismo ocorre na modernidade, a autora traz a tese de Florestan Fernandes (1964) sobre a modernização e o capitalismo periférico. Dessa forma, o racismo se configura como uma “estrutura dinâmica” desse sistema. No movimento de modernização, a colonização é projetada no novo modelo de sociedade. Assim, o negro continuará numa posição de escravo, e o racismo continuará em vigor para manter toda a organização social desigual que perdura até os dias atuais (FERNANDES, 2008 apud VILLEN, 2015).

A partir dessa perspectiva, a modernização não rompe com o racismo. Villen (2015) traz reflexões propostas por Fernandes, referentes ao conceito de modernização dependente, que diz respeito ao “subdesenvolvimento que converte-se em estado normal do sistema” (FERNANDES, 1973 apud VILLEN, 2015, p. 131). Essa modernização dependente traz “formas ultra-espoliativas de dominação econômica e de exploração do trabalho”, e gerará, como consequência, um enorme grupo de pessoas que estará condenado ao desemprego, à miséria, à pobreza e à exclusão dos processos sociais (FERNANDES, 1973 apud VILLEN, 2015).

Além do mais, no que diz respeito à inserção dos imigrantes no mercado de trabalho, a autora apresenta uma visão crítica acerca dos diagnósticos socioeconômicos que inferem que os imigrantes, de um modo geral, “começam por baixo” dentro do mercado de trabalho, ou seja, em posições de trabalho muito precárias. Neste sentido, a teoria de Fernandes problematiza o papel privilegiado do imigrante branco neste cenário. Portanto, ao observar o fenômeno da imigração e realizar esse recorte racial, infere-se que a sociedade continua reproduzindo desigualdades sociais, e que isso não é diferente no contexto laboral. O pano de fundo das análises de Florestan Fernandes é a reconfiguração, partindo de “categorias histórico-sociais” tanto de cor, quanto de classe. Dessa forma, a modernização não rompe com o racismo e a cor continua servindo como uma barreira. A autora afirma, então, que é possível colher na obra de Fernandes uma dialética entre o negro e o branco, entre o nacional e o imigrante no mercado de trabalho e que, assim, o mercado de trabalho é o elemento que ao mesmo tempo os une e os separa. O movimento dessa dialética se inicia pelas desvantagens referentes ao “ponto de partida” na inserção no mercado de trabalho. Enquanto o branco assume uma posição legitimada de “agente do trabalho livre”, o negro assume uma posição esteriotipada e colonialista sendo considerado como preguiçoso, vagabundo, sem inteligência, entre outros. Logo, as especializações oferecidas para os negros no mercado de trabalho eram ocupações menos valorizados no sistema capitalista de produção.

Ademais, é fato que os imigrantes saem de seu local de origem para obter uma melhor qualidade de vida em outro lugar e o trabalho é extremamente significativo nesse processo, pois através dele será possível obter uma maior independência e um recomeço de fato. Mas, como elucidado pela autora, se, por um lado, o trabalho é tido, para o imigrante, como um meio para iniciar uma nova vida, por outro lado, o imigrante negro irá enfrentar a falta de ajuste a essa realidade como algo permanente. Neste sentido a autora acrescenta:

A dialética do negro e do branco imigrante na modernização dependente espelha, portanto, a estrutura racializada do funcionamento do mercado de trabalho brasileiro nos tempos de democracia racial. Essa ferramenta analítica deixada por Fernandes mostra como há sempre um movimento de “rebaixamento” e de “exploração” no trabalho para o grupo social que é a principal vítima do racismo. (p.136)

À vista disso, o artigo nos mostra que a problemática imigração-racismo ainda precisa ser muito discutida. No Brasil, a desigualdade na inserção do mercado de trabalho, principalmente em empregos que exigem maior grau de escolaridade, ainda tem a mesma cor. Observa-se, então, que essa discussão não pode ser desvinculada de toda a estrutura histórica que a embasa até os dias atuais. O artigo em questão, ao propor essa reflexão, demonstra que a análise do fenômeno da modernização dependente do mercado de trabalho é indispensável para entender as relações racistas que se estabelecem com a imigração. Em suma, é necessário entender toda a estrutura que está por trás destes fatos, romper com a mesma, se aliar à luta antirracista, e ter em mente que o rebaixamento e exploração dos negros imigrantes, tanto dentro quanto fora do mercado de trabalho, não podem mais ser um fato, e sim se tornarem um passado.

Referência

VILLEN, Patricia. Imigração e racismo na modernização dependente do mercado de trabalho. Lutas Sociais, v. 19, n. 34, p. 126-142, 2015.

* Graduanda em Psicologia PUC Minas. Integrante do PsiTraPP/ PUC Minas.
** Mestranda em Psicologia PUC Minas. Integrante do PsiTraPP/ PUC Minas.

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