Por Ana Rita Assis Cardoso de Souza* e Danielle Teixeira Tavares Monteiro**
Eduardo, prazer.
Escrever sobre seu texto não é fácil, visto que grande parte do que fala, meu corpo não conhece. A proposta é sempre escrever sobre o que me toca, mas como permanecer quando deparo-me com algo completamente diferente de mim? A primeira reação é desistir e fazer uma análise teórica sobre o que foi falado, mais impessoal, né? Mas eu me proponho a me abrir. Sempre ganho mais ao sair do conforto de mim mesma, então conto aqui o que chegou e permaneceu.
Ao longo de seu texto, ocorrem várias citações de estudiosos e escritores negros. Conhecia poucos. Isso reflete bem exatamente o que discutimos nas reuniões de grupo, a quem estamos ouvindo? Que tipo de pensamento produzimos? É interessante, como sua análise sobre as produções literárias parte sempre da consciência da história de vida de cada indivíduo, e em como essa se constrói por meio da escrita. Também debatemos sobre isso.
O que eu não sabia e aprendi lendo foi o impacto que a construção do movimento negro resultou na memória escrita. Como conta “o quilombo literário de agora resiste tendo nas mãos o livro – utopia da palavra poética como instrumento de identificação, a inquietar mentes e corações no processo de construção de si mesmos enquanto negros” (DUARTE, 2020). Ou seja, uma eterna dialética entre o esforço de contar as próprias experiências e a reelaboração de si enquanto indivíduo social. É bonito como a literatura tem o poder de transformação subjetiva.
Conta também, sobre a ficção afro-brasileira contemporânea, que diz sobre um passado histórico que não mudou. Em que é possível ver ainda os traços estruturais da repressão e da dor, e os sujeitos que resistem por meio da disseminação das memórias ouvidas e vividas. Com influências da tradição Sankofa, na qual é imprescindível escutar o passado para pensar o futuro, encontra-se no ideário quilombista em que acredita na força do coletivo para a afirmação da cultura que permanece e decorre ao longo dos tempos. Conceição Evaristo é uma delas, por exemplo. Assim como Geni Guimarães, Lima Barreto, Abdias Nascimento e vários outros citados.
Percebo então, a importância da palavra – escrita e falada – para a elaboração de uma sociedade nova. Em que é possível ouvir e compreender com profundidade as experiências que não são minhas, mas que me afetam em muitos âmbitos. Exercitar a capacidade de se abrir para a humanidade e principalmente, para as memórias de cada sujeito, permite com que meu olhar para qualquer coisa passe de mim mesma e compreenda a amplitude de tudo que me rodeia. Como você mesmo diz: “Tais histórias surgem em fragmentos (…) Formam, todavia, um tecido textual quilombista pelo qual se recupera a memória de uma dor que é física e moral, individual e coletiva” (DUARTE, 2020). Sim, a memória é coletiva.
Referências:
Duarte, C. L. Nunes, I. R. Escrevivência: a escrita de nós. Reflexões sobre a obra de Conceição Evaristo. Duarte, E. A. Cap. 5. – Escrevivência, Quilombismo e a tradição da escrita afrodiaspórica. 1 ed, Rio de Janeiro: Mina comunicação e arte, 2020.
*Ana Rita Assis Cardoso de Souza: Estudante de Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas e membro do núcleo de pesquisa em Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – Psitrapp.
**Danielle Teixeira Tavares Monteiro: Assistente Social, doutora em Psicologia pela PUC Minas e pela Universidade de Coimbra – Portugal, psicanalista e escritora.
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