Por Lilian Karen* e Rafael Soares**
Este texto é um fichamento do artigo “Lutando contra o YouTube para se tornar visível para a comunidade: o discurso de um criador de conteúdo sobre trabalho, diversão, controle e recompensa”. São autores do artigo:
Ludimila Santos Matos; Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS Brasil. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Informação, da UFRGS. Mestre em Comunicação – PUC-Rio (2011). Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo – UFMA (2008). Pesquisa cibercultura, YouTube, novas tecnologias, produção e estética de produtos audiovisuais. Experiência em desenvolvimento de conteúdo para o ambiente digital. Integrante do Laboratório de Interação Mediada por Computador – LIMC/UFRGS. Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.
Willian Fernandes Araújo; Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC Brasil. Possui doutorado em Comunicação e Informação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2017), mestrado em Processos e Manifestações Culturais na Universidade Feevale e graduação em jornalismo pela Universidade Federal de Santa Maria. Realizou estágio de doutorado sanduíche no exterior (PSDE/Capes) no Institute Interdisciplinary Internet (IN3) da Universitat Oberta da Catalunya (UOC, Barcelona). Pesquisa a mediação tecnológica em mídias digitais, principalmente nos debates sobre infraestruturas, softwares e algoritmos.
O YouTube passou por diversas transformações ao longo dos anos. Comprado pela Google em 2006, ele vem se configurando como uma nova metodologia de negócios, assim como sua relação com os criadores de conteúdo. Esses criadores inseridos nessa plataforma passaram a ter grande incentivo, como o financeiro, para desenvolver tal atividade, principalmente a partir de 2007, com o lançamento do Content ID (FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p.143). Assim, o creator, deve se cadastrar na plataforma, para desenvolver seu trabalho, que por vezes também é chamado de diversão, se configurando a economia do virtual, uma recente formatação de trabalho e remuneração.
A visibilidade é um fator crucial para os creators, pois o seu trabalho é desenvolvido a partir do engajamento e da audiência. A recompensa é contabilizada através de algoritmos da plataforma, como “o número de assinantes do canal, o número de curtidas, comentários e compartilhamento […] e o tempo médio que cada usuário gasta assistindo os vídeos no canal” (FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p.143). Entretanto, há uma falta de clareza sobre o funcionamento do algoritmo, não se sabe quais aspectos são os mais importantes nesse cálculo. Por vezes essas variáveis são alteradas, sem comunicação clara, gerando frustração e descontentamento dos YouTubers.
O criador dificilmente sabe quais elementos pesam mais ou afetam diretamente os resultados dos vídeos em alcance, assim como da publicidade vinculada aos mesmos. Por outro lado, como a literatura sobre algoritmos vem sugerindo, a invisibilidade do funcionamento desses sistemas é também resultado de práticas institucionais para manutenção desses “segredos” por parte dos serviços da web (Burrel, 2016; Kitchin, 2016; Araújo, 2017). Manter o funcionamento desses sistemas desconhecido tende a ser visto como questão de segurança e como uma espécie de manutenção de controle sobre o produto, garantindo assim uma certa gestão sobre conteúdos e relações (FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p.143).
Com tal cenário pouco claro, abre oportunidade para novas constituições como “espaço do site intitulado “Escola de Criadores”, onde são ensinadas técnicas de produção audiovisual e estratégias de marketing digital para se obter sucesso como criador de conteúdo para o YouTube”. (FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p.143). Assim, se faz necessário analisar como é constituída tal relação de trabalho, suas definições e ausência delas.
Tendo em vista a constituição desse espaço de criação e trabalho, pode se ressaltar a necessidade em tratar do “capitalismo cognitivo e economia do virtual” (FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p. 144). Por capitalismo cognitivo, ressalta se “a passagem do fordismo ao pós fordismo […] passagem de uma lógica da reprodução a lógica da inovação” (CORSANI, 2003, p.17 apud FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p.144). Nessa lógica, a presença do controle é um aspecto crucial para discutir a interação no YouTube, que se apoia na ideia de que os creators são parte da comunidade, participando como colaboradores. Os algoritmos e seu funcionamento mesmo que pouco claros, vão ser as diretrizes para esses criadores, ou seja, essa ferramenta também controla a ação destes.
As fronteiras entre trabalho e lazer na economia do virtual, por vezes, vão se dissolvendo. O contexto de trabalho vai sendo invadido por ferramentas de lazer, como “sala de jogos, entre outros ‘mimos’” (FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p. 146). Mascarando-se assim o ambiente de trabalho, o que torna essa fronteira pouco clara. Assim, na era digital/virtual o modelo econômico entra nessa interseção, onde o trabalho é mediado pela tecnologia e por equipamentos eletrônicos, ele acontece no mundo online. Nesse cenário, o YouTube tenta se desviar de ser caracterizado como uma relação de trabalho, mas sim como uma produção de conteúdo criativa e independente.
O controle exercido na plataforma, YouTube, tendo em vista a máxima de que tal produção é colaborativa, reflete “[…] um meio poderoso para determinar as hierarquias de valores e as exclusões de um sistema econômico ou, em termos deleuzianos, de uma sociedade de controle. ” (CORSANI, 2003 apud FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p. 145). Tal funcionamento societário se faz presente nessa constituição difusa de trabalho, produção, diversão e remuneração.
Para construção do artigo os autores utilizaram como abordagem metodológica a análise de conteúdo, seguindo os escritos de Bardin (2016), sendo realizados as etapas de pré-análise, codificação, categorização e inferência, tratamento e interpretação. Os documentos analisados foram dois vídeos no YouTube, um do canal por PiewDiePie, do criador Felix A. U. Kjellberg, que em 2016 era o site com o maior número de inscritos no mundo e um vídeo sobre criação de conteúdo publicado em um canal oficial do próprio YouTube.
A análise aponta uma grande diferença nos discursos sobre as práticas dos criadores e do YouTube. Dentre essas diferenças, destacamos as referências ao trabalho na plataforma, que aparece somente na fala do criador e das dificuldades de:
trabalhar no YouTube e como o site diminui constantemente as recompensas por um trabalho que cada dia fica mais árduo, já que a falta de clareza dos mecanismos e métricas do YouTube dificultam cada vez mais a entrega dos vídeos à audiência interessada, oferecendo a ela outros conteúdos não relacionados (FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p. 149).
As mudanças nas métricas, a medida que um criador consegue alcançar, constitui tal impasse com a plataforma, que é ainda maior devido ao silenciamento por parte do YouTube acerca dos questionamentos. Além da entrega dos conteúdos produzidos, exclusão de inscrição de usuários em determinado canal, dificultando o trabalho de um grande creator, como Felix, demonstra que os desafios podem afetar todos os criadores, independente do tamanho do canal.
Apesar da rentabilidade que todo esse processo que ocorre através plataforma, o YouTube não trata a relação com os criadores de conteúdo como uma relação de trabalho. Os desafios que os YouTubers enfrentam são diversos. Para retratá-los, foi escolhido como exemplo “o YouTuber, Felix Arvid Ulf Kjellberg e seu canal PiewDiePie” (FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p. 147). Que relata sobre um impasse entre o creator e a plataforma, devido a pouca clareza dos algoritmos, já mencionada, e também em relação dos envios dos vídeos na plataforma. Sendo Felix detentor de um dos maiores canais do YouTube, com o maior número de inscritos.
Tais análises permitiram uma reflexão além das relações de trabalho, uma conjuntura de impasses e desafios, do controle e do capital cognitivo, nessa economia do virtual. E reforçam a necessidade em se ter uma comunicação mais clara por parte da plataforma YouTube. Sendo que o site também é prejudicado, ao gerar o descontentamento de criadores. Esse estudo, apresentado através do artigo em questão, “[…] nos oferece indicações que devem ser aprofundadas ainda em outros estudos que possam acrescentar horizontalidade à compreensão deste fenômeno”. (FERNANDES ARAÚJO; SANTOS MATOS, 2017, p. 150). Além de ser um fenômeno relativamente recente e ter diversas variáveis, representa uma nova constituição de comunidade, e merece ser explorado.
Referência:
FERNANDES ARAÚJO, Willian; SANTOS MATOS, Ludimila. Lutando contra o YouTube para se tornar visível para a comunidade: o discurso de um criador de conteúdo sobre trabalho, diversão, controle e recompensa. Sessões do Imaginário, v. 22, n. 38, 2017. http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/famecos/article/view/29150/17387
*Lilian Karen é graduanda do curso de Psicologia da PUC Minas e bolsista de iniciação científica do grupo de pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais.
**Rafael Soares Mariano Costa é psicólogo clínico, mestre em Gestão Social e Educação pelo Centro Universitário UNA, doutorando em Psicologia pela PUC Minas e integrante do grupo de pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais.
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