A presente escrita tem o objetivo de realizar uma breve resenha crítica a respeito do artigo “Neoliberalismo e horizontes da precarização do trabalho”, de autoria do pós-doutor José Newton Garcia de Araújo, o artigo foi publicado no ano de 2020 nos Cadernos de Psicologia Social do Trabalho da USP. O artigo fundamentou uma importante articulação entre a psicossociologia do trabalho e as vulnerabilidades das classes trabalhadoras no contexto do neoliberalismo e da necropolítica. A fim de debater tais vulnerabilidades, o autor pontua alguns fundamentos da psicossociologia do trabalho, que oferecem o aporte teórico necessário para enriquecer os debates propostos ao longo do artigo.
Por Laís Catarine Ferreira* e Carlos Eduardo Carrusca Vieira**
Resumo do Artigo
Este texto discute, inicialmente, a precarização do trabalho no atual cenário do neoliberalismo. Baseado em pesquisa bibliográfica e documental, apresenta as bases teóricas e metodológicas da clássica psicossociologia francesa e seu desdobramento como psicossociologia do trabalho. Em seguida, buscamos ressituar esta disciplina nos campos do trabalho e da política, em uma articulação com os conceitos de precariado e de necropolítica. Evoca-se aqui a perda dos direitos trabalhistas e de cidadania, que desemboca na crescente desigualdade social e no “direito de morte” do Estado sobre as camadas mais pauperizadas da população. O texto interroga também as possibilidades da assistência pública à saúde dos trabalhadores, especialmente aqueles submetidos ao trabalho por aplicativos. A respeito dessa atividade, abordam-se os avanços políticos e as contradições inerentes ao cooperativismo de plataforma, em sua oposição ao capitalismo de plataforma.
Palavras-chave: Neoliberalismo, Psicossociologia do trabalho, Precariado, Necropolítica, Cooperativismo de plataforma.
Posto isto, a psicossociologia do trabalho, que é caracterizada como um desdobramento da psicossociologia francesa, possui como principal objetivo investigar a máxima totalidade do contexto em que a atividade de trabalho está inscrita. Isso significa fundamentar uma análise nas organizações, nas instituições, nas comunidades e nos grupos, e também para além dessa moldura institucional, investigando os fenômenos coletivos e subjetivos das relações estabelecidas no ambiente laboral, sem ignorar as dimensões individuais dos trabalhadores fora desse ambiente.
O autor aborda o conceito de precariado, amálgama de “proletário” e “precário”, e que diz respeito a uma classe de trabalhadores bem qualificados, mas permeados por uma intensa insegurança laboral, muitas vezes trabalhando como pessoa jurídica (PJ) e abdicando de diversos direitos primários trabalhistas ou simplesmente recebendo salários rebaixados, apesar de sua qualificação. Tal conceito evidencia o aumento dos subempregos, da informalidade e do mito do empreendedorismo, que é pregado com frequência nos aplicativos que formam os “trabalhadores uberizados”. Esse contingente informal e precário do trabalho ganhou ainda mais força no Brasil a partir da Lei nº 13.467, de 2017 durante o governo Temer, que trouxe uma expressiva redução nos direitos trabalhistas e criou aberturas para que a degradação das relações de trabalho se intensificasse.
A necropolítica é abordada no artigo como o nomos da política atual, isso significa aplicar um conjunto de normas e regras que define quem é ou não necessário, quem deve ou não viver em nossa sociedade atual, a necropolítica busca sempre pela destruição “das massas humanas consideradas descartáveis, supérfluas” (Garcia de Araújo, 2020). Ao aplicar essa mentalidade no imaginário social e político o conceito de “política de morte” surge, este por sua vez diz respeito à marginalização intencional de povos que sofreram, por parte dos próprios governantes, algum tipo de censura, seja ela biológica ou social, como é o exemplo dos povos indígenas e quilombolas.
A necropolítica e a negligência governamental, durante o período da pandemia da COVID-19, com esses povos intencionalmente marginalizados resultou em uma taxa de mortalidade em razão do coronavírus na terra indígena Yanomami maior que o índice nacional do 1º ano da pandemia, sendo 10,7 óbitos para cada mil habitantes em 2020 nas terras Yanomamis, e a taxa nacional de 7,4 por cada mil habitantes no mesmo período (G1 Roraima, 2023). Essa discrepância absurda explicita o evidente descaso e a política genocida do presidente Jair Bolsonaro, que assinou ainda o decreto da “mineração artesanal”, que possuía como principal objetivo estimular o desenvolvimento da mineração em pequena escala de forma sustentável. Contudo, de acordo com a ambientalista Larissa Rodrigues, em entrevista para o G1 (Pinheiro, 2022), por definição o garimpo e a mineração não são atividades sustentáveis. Dessa forma, segundo a ambientalista, além de propagar inverdades, o presidente incentivou o aumento do garimpo e consequentemente o aumento da contaminação por COVID-19 dos povos Yanomamis, uma vez que suas aldeias estão situadas próximas às áreas de garimpo.
Garcia de Araújo (2020) finaliza seu artigo retomando a saúde do trabalhador em meio a esse cenário de perdas de direitos trabalhistas e direitos humanos, e o quanto isso é adoecedor para as milhares de pessoas em contexto de desamparo e insegurança trabalhista e social, especialmente quando as políticas públicas básicas são desmanteladas pelo próprio governo, como é o caso do desmonte e precarização do SUS. E, posto isso, esses trabalhadores muitas vezes se veem desamparados frente aos agravos em sua saúde mental causados muitas vezes por vivências no ambiente laboral, o que leva ao questionamento de que, se com esse descuido com os projetos de saúde os gestores traçam “estratégias para levar aos trabalhadores as informações necessárias à prevenção e ao cuidado de si e da sua categoria, além de discutir com eles os problemas sanitários, ergonômicos, jurídicos, ecológicos e outros” (Garcia de Araújo, 2020, p. 89).
O autor reflete sobre diversas temáticas no artigo, discutidas e articuladas com excelência, e que tratam certamente de grandes desafios sociais e políticos. Por conseguinte, penso ser fundamental manter em discussão as pautas apresentadas no artigo no tocante às políticas públicas e as relações de trabalho dentro desse contexto necropolítico, pois, por mais que exista um evidente enraizamento social e cultural dessas temáticas, é somente levando conhecimento à população que o cenário político, trabalhista e social poderá ser alterado.
Referências
ARAÚJO, J. N. G. (2020). Neoliberalismo e horizontes da precarização do trabalho. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, 23(1), 79-93. https://doi.org/10.11606/issn.1981-0490.v23i1p79-93
G1 Roraima. (2023) Taxa de mortalidade na Terra Yanomami foi maior que o índice nacional no 1º ano da pandemia. disponível em: https://g1.globo.com/rr/roraima/noticia/2023/02/09/taxa-de-mortalidade-na-terra-yanomami-foi-maior-que-o-indice-nacional-no-1o-ano-da-pandemia.ghtml
Pinheiro, L. (2022). Decreto de Bolsonaro sobre ‘mineração artesanal’ é incentivo ao garimpo ilegal na Amazônia, apontam ambientalistas. Meio Ambiente, G1. disponível em: https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/02/14/decreto-que-estimula-mineracao-artesanal-visa-legalizar-garimpo-apontam-ambientalistas.ghtml
*Graduanda em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, integrante do Grupo de Pesquisa: Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – PsiTraPP / PUC Minas.
**Pós-doutor em Psicologia pela PUC Minas e integrante do Grupo de Pesquisa: Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – PsiTraPP / PUC Minas.
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