Mais-valia 2.0: Produção e apropriação de valor nas redes do capital

Mais-valia 2.0: Produção e apropriação de valor nas redes do capital

Por João Gabriel Bicalho Almeida* e Rafael Soares Mariano Costa**

Resumo

Nas indústrias culturais mediatizadas, o processo de produção de valor envolve tanto o trabalho de seus trabalhadores imediatos (artistas, jornalistas etc.), quanto o tempo de mobilização das audiências numa relação interativa e participativa com os eventos espetaculares (no sentido de Débord) postos nessa relação. Esse trabalho da audiência tornou-se mais evidente nos comentários e postagem em blogs e sítios de grande evidência e nas inocentes conversas coloquiais em “redes sociais”. Deste trabalho é extraído um valor que se expressa em muitas formas de “monetização”, gerando um lucro nascido exatamente de trabalho absolutamente não pago apropriado pelo capital.

Palavras-chave: Economia, Comunicação, Ciências Sociais, Ciências, Aplicadas, Ciência da Informação, Economia Política, Ciência Política, Economia da Cultura, Sociedade da Informação, Teoria do Conhecimento

 

O presente texto constitui uma resenha do artigo intitulado “Mais-valia 2.0: Produção e apropriação de valor nas redes do capital” de autoria de Marcos Dantas (2014).

O primeiro argumento do texto, se desdobra como forma de tentativa de resposta a uma pergunta que pode ser formulada da seguinte forma: porque as redes sociais, as plataformas de comunicação como Whatsapp, Instagram, Twitter, Facebook… atraem tantos milhões de investidores? O que eles esperam de retorno financeiro do conteúdo trivial de milhões de usuários dessas redes? 

Dantas (2014), argumenta que esse retorno tem relação com a publicidade que pode ser exibida e criada por usuários nesse espaço, e vai além ao afirmar que os usuários  trabalham para os algoritmos criados por empresas como Google, Yahoo, Facebook… assim, os trabalhadores historicamente ligados a produção das propagandas são substituídos por uma mão de obra assalariada, os usuários das plataformas. 

Esmiuçando o argumento, o valor de troca nas redes seria a linguagem, já que o conteúdo produzido por um indivíduo nas redes sociais não objetiva fisicamente algo no mundo. Portanto, concordamos com a afirmação de Dantas (2014) citando Marx e Engels (2007): “Se Marx e Engels disseram que “a linguagem é a consciência real, prática” (MARX e ENGELS, 2007:34), a internet será uma poderosa ferramenta para a prática da consciência.” (p. 88). Dessa forma, a linguagem pode ser objetivada por uma ação que a transforma em mercadoria ou “trabalho congelado” na linguagem marxiana, como por exemplo em um livro que pode mais tarde ser trocado por um valor em dinheiro, e reproduzido. Contudo, não é sobre o ato linguístico em forma de memória (livro por exemplo) que se trata o valor de troca no âmbito virtual, mas sim do ato linguístico em si, o que é objetivado como mercadoria é a própria linguagem nas plataformas que transforma a cultura e é transformada por ela. O autor do texto explica o fenômeno da seguinte maneira:  

a ação por meio da linguagem, movimentada pela intenção, pelo objetivo, pela necessidade, gera um sistema de registro que é registro de movimentos, mesmo que sejam meros movimentos de mão e dedos sobre o mouse, mas movimentos da consciência em ação. É movimento mental, orientando e sendo orientado pelos sentidos, especialmente, visão, audição e tato, mas sentidos acionados pelos significantes, e seus significados, de palavras, fotos, desenhos, sons, imagens em movimentos, conforme percebidos numa tela de computador ou num smartphone. O Google ou o Facebook registram estados mentais de bilhões de pessoas, a partir de seus atos de navegação, conforme revelados ou expressos por meio de signos lingüísticos. (p. 89)

O resultado desse processo, é que a cultura produzida nos meios digitais, se torna lucrativa e a economia e a cultura passam a não se distinguirem, passa a se produzir cultura digital pelo quão rentável essa se torna. 

Seguindo a lógica do raciocínio sobre a produção de mais valia, discutida na sessão passada, o autor se vale de mais algumas proposições. Uma delas, diz respeito a importância da anulação do tempo de realização na produção de signos (uma publicação no Facebook ou uma mensagem no Whatsapp) que funcionam como um meio de comunicar algo. Dessa forma, capitalizar sobre os meios de comunicação contemporâneos  faz parte da lógica do capital, já que quanto mais rápida a comunicação ocorre (anulação do tempo de realização) maiores os lucros e maior o fetiche nas “coisas” ou melhor dizendo, nos signos que a comunicação produz para valorar determinado produto, para além de seu valor de produção material (trabalho congelado). 

Assim, tem de se fazer uma diferença entre dois tipos de bens, quais sejam os bens antrópicos (valor de uso de uma mercadoria) e neguentrópicos (produto “artístico”). O autor assim explicita sobre a primeira qualidade: “O valor de uso de qualquer mercadoria, por mais que revestida de significados estéticos ou simbólicos, será, ao fim e ao cabo, instrumental” (p. 91). Quanto à qualidade do segundo, ela reside em uma propriedade intelectual sobre o bem produzido, como num direito autoral de um filme. Não se trata do aparato físico que dá suporte a reprodução, mas sim de um direito que está nas mãos de uma companhia ou editora que pode reproduzir esse trabalho intelectual em vários meios.  

Dessa forma, o trabalho de Dantas (2014) sustenta que a internet funciona como produtora e produto de um insumo que é a própria ação de postar: 

entenderemos a internet como um espaço sócio-cultural onde o valor reside na ação lingüística, nos “atos de fala”, na comunicação, na ação de tornar comum. Por isto, será “trabalho vivo produzindo atividade viva”, como poderia dizer Boutang (1998). Não se trataria mais de produzir mercadorias – o resultado congelado da ação – mas de produzir a ação mesma: a mensagem postada por alguém provoca nova mensagem de algum outro e o valor da rede (e de seus componentes, inclusive os terminais) encontra-se na sustentação dessa inter-ação (ou… trabalho). Assim, o capital logra reduzir os tempos de realização aos limites de zero. Ou chega bem mais perto disso. (p. 94)

Ou seja, o objetivo circular do capital, qual seja, produzir a demanda e a própria oferta de produtos, se insere de forma circular ao se tratando da internet, uma parte retroalimenta a outra, e de forma quase instantânea. E quem consome esse conteúdo, é por sua vez quem também o produz, os usuários da internet.  

O argumento do autor desemboca na importância do controle da informação, e dos signos trocados entre os usuários das redes. As plataformas de publicidade AdSense e AdWord que funcionam como um guia de publicidade prêt-à-porter produzida para um determinado indivíduo, baseada na informação trocada entre pares nas plataformas ou até mesmo pesquisada pelo próprio usuário. Esse seria o modelo de negócio lucrativo para as grandes corporações, é assim que a palavra pode ser transformada em lucro, como um anúncio em horário nobre sob medida para um determinado ouvinte O custo para anunciar o produto nesses termos, é o que gera valor a essas corporações.  

Nesta perspectiva, resgatando o projeto marxiano de recuperar a liberdade no trabalho, encontra no ambiente digital um desafio. Se por um lado, no ambiente digital,  temos possibilidades de trabalho vivo, ou seja produz sentido de vida e que fazem parte da existência do sujeito enquanto ser humano, temos também uma outra dimensão de captura dessa atividade “viva”, que são incorporadas na lógica de produção de valor das mídias sociais e mecanismos de busca. 

E neste ponto está a crítica do autor “ao tentar entender melhor esse processo de trabalho como parte mesmo do nosso esforço para compreender melhor o próprio processo de valorização do capital nesta etapa avançada do capital-informação” (p. 106) criando condições de compreendermos essa nova forma de organização do capital que entra de forma quase integral nas nossas vidas, produzindo valor nas lógicas tradicionais e também através do trabalho não pago nas mídias sociais e outras plataformas.

Referência

DANTAS, Marcos. Mais-valia 2.0: produção e apropriação de valor nas redes do capital. Epitc, [S.I], v. 16, n. 2, p. 89-112, ago. 2014.

 

*Graduando em Psicologia pela PUC Minas e integrante do Grupo de Pesquisa PsiTraPP/ PUC Minas.

**Doutorando em Psicologia pela PUC Minas e integrante do Grupo de Pesquisa PsiTraPP/ PUC Minas.

Deixe uma resposta