Por *Marcela de Oliveira Sousa; **Danielle Teixeira Tavares Monteiro; ***Rafael Soares Mariano Costa; ****Jesus Alexandre Tavares Monteiro
Nesta resenha crítica será apresentado o artigo “A pandemia de COVID-19 (SARS-COV-2) e as contradições do mundo do trabalho”, de Matheus Viana Braz, que é professor de Psicologia do Trabalho e das Organizações na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). Este trabalho, que foi publicado no primeiro semestre de 2020 na Revista Laborativa, traz importantes reflexões sobre as repercussões da Pandemia no mundo do trabalho.
O autor, em suas considerações iniciais, traz um panorama mundial da Pandemia até à data de finalização de seu texto (em 07 de abril de 2020). Enfatiza o impacto da propagação do vírus e das medidas necessárias para detê-lo nas modificações da situação econômica e social, especialmente no Brasil. Posteriormente, explora as mudanças que vêm acontecendo no mundo do trabalho decorrentes das reestruturações produtivas, dando ênfase ao aumento da informalidade e precarização dela decorrente.
A respeito do trabalho informal, destaca dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que apontam para um crescimento substancial desta modalidade de trabalho (41,1% da população ocupada em 2019), bem como do número de pessoas que precisam trabalhar em mais de uma atividade (atualmente, 3,5 milhões de pessoas). Ainda citando o IBGE, o autor traz outros dados estatísticos que dimensionam a população subutilizada no Brasil e demonstram que o impacto da pandemia não é sofrido com a mesma intensidade por toda a população.
Diante disso, Braz (2020) aponta para a primeira contradição abordada em seu texto: no Brasil, o número de trabalhadores informais têm crescido exponencialmente nos últimos anos, mas o país carece de políticas de proteção social que sejam efetivas para esta população. Esta contradição é evidenciada pela Pandemia, quando há enorme dificuldade na identificação e localização destas pessoas para receber a renda básica emergencial promulgada para mitigar o impacto da COVID-19.
À luz da Psicossociologia e da Sociologia Clínica, o autor convida a olhar o trabalho em três dimensões: material, social e existencial. A partir desta compreensão, para além de garantir suas condições materiais de existência, o indivíduo alcança pelo trabalho o reconhecimento social e constrói sentido para sua atividade e as relações dela originadas. Posto isso, o autor aponta para a “cultura do alto desempenho” e a consequente hierarquização do trabalho a partir do valor financeiro que é produzido.
A partir daí, evidencia-se a segunda contradição: as atividades menos valorizadas na dinâmica de reconhecimento contemporânea (citados pelo autor os professores, pesquisadores e profissionais de saúde atuantes no SUS) mostram-se indispensáveis para a superação dos impactos da COVID-19 de diversas formas: na educação básica (com as atividades presenciais suspensas, os pais reconhecem a importância e desafios enfrentados pelos professores), no cuidado à população infectada e no desenvolvimento de estudos que possibilitem a criação de vacinas e medicamentos.
A terceira e última contradição apontada por Braz (2020) centra-se na relação entre o individual e o social e entre razão e emoção. Neste sentido, o autor argumenta que a ênfase excessiva dada no individual para justificar o fracasso ou sucesso das condições de vida se relaciona com a desconsideração dos determinantes sócio-históricos e do papel das instituições sociais. A partir desta perspectiva o indivíduo seria o único responsável pela sua situação de trabalho e, por consequência, de sua condição de vida. Atrelada a esta concepção está a ideia de cisão entre razão e emoção – daí concebem-se as emoções como subordinadas à razão, a partir da qual o indivíduo pode dominá-las e fazer o melhor uso delas em benefício próprio.
Durante a Pandemia COVID-19, a importância da cooperação coletiva na redução do contágio coloca em evidência a interdependência entre os indivíduos. O apelo para a continuidade das atividades produtivas de forma inalterada em condições tão adversas mostra-se impossível de ser atendido, demonstrando a indissociabilidade entre razão e emoção.
O autor conclui que a crise deflagrada pela Pandemia COVID-19 escancara fenômenos que são construídos sócio-historicamente e se apresentam enquanto estruturantes das relações de trabalho contemporâneas no Brasil. O artigo traz reflexões interessantes que podem auxiliar no entendimento da realidade atual e na compreensão do sofrimento dos trabalhadores, entretanto apenas abre as discussões possíveis.
É importante pensar que o texto foi produzido no primeiro trimestre de 2020 e que o estudo das repercussões da Pandemia no mundo do trabalho de forma mais aprofundada requer um distanciamento desta crise. Pesquisas que explorem a situação dos trabalhadores informais durante e após a Pandemia e que apresentem intervenções possíveis são um campo a ser explorado. É importante refletir também no papel de categorias profissionais não citadas pelo autor e que também atuam de forma mais exposta ao risco de infecção: tais como trabalhadores de comércios essenciais, dos serviços de transporte público, da limpeza urbana, entre outros.
Referência
BRAZ, Matheus Viana. A pandemia de covid-19 (sars-cov-2) e as contradições do mundo do trabalho. Revista Laborativa, v. 9, n. 1, p. 116-130, abr. 2020. Disponível em: https://ojs.unesp.br/index.php/rlaborativa/article/view/3192 Acesso em 16 out. 2020.
*Marcela de Oliveira Sousa é graduanda no curso de Psicologia da PUC Minas, bolsista de iniciação científica do grupo de pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais.
**Danielle Teixeira Tavares Monteiro é Assistente Social, mestre e doutora em Psicologia pela PUC Minas, Analista Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG).
***Rafael Soares Mariano Costa é psicólogo pela PUC Minas, mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pela UNA e doutorando em Psicologia pela PUC Minas.
****Jesus Alexandre Tavares Monteiro é psicólogo graduado pela PUC Minas, mestre e doutor em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é docente na Unincor e Unihorizontes, e desenvolve seus estudos sobre arte, trabalho e sociabilidade.
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