Por *Marcela de Oliveira Sousa; **Danielle Teixeira Tavares Monteiro; ***Rafael Soares Mariano Costa; ****Jesus Alexandre Tavares Monteiro
A presente resenha é sobre o artigo “É Inerente Ao Trabalho Em Saúde O Adoecimento De Seu Trabalhador?”, publicado em 2012, na Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, por Túlio Cezar de Aguiar Brotto e Maristela Dalbello-Araújo, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
A proposta do artigo é discutir se processos de adoecimento são inerentes às práticas profissionais de trabalhadores da área saúde. Para isso, aborda o tema na perspectiva marxiana de compreensão do trabalho, a partir da qual trabalho é o ato humano de interação com a natureza a fim de transformá-la, e como isso se conecta com o trabalho atual dos profissionais de saúde. Destaca as especificidades do trabalho em saúde que, no Sistema Único de Saúde (SUS), tem como objetivo o cuidado com o usuário e a produção de saúde.
A mudança de paradigmas neste contexto levou a uma reestruturação produtiva, do atendimento centrado nos equipamentos tecnológicos e nas doenças para uma assistência centrada no usuário e que tem como principais ferramentas as tecnologias relacionais.
Diante disso, os autores destacam que as relações que estabelecemos com o trabalho podem gerar processos de pertencimento social e também processos de adoecimento, tanto que a Organização Mundial de Saúde (OMS) reconheceu o adoecimento no trabalho como um problema e definiu a década de 2006-2016 como momento para discussão sobre a valorização do trabalho e dos trabalhadores de saúde.
Para compreender a relação trabalho-adoecimento dos profissionais de saúde os autores apresentam alguns pontos-chave que são encontrados na literatura ao abordar o sofrimento e adoecimento dos trabalhadores da saúde: (1) falta de infraestrutura, de condições ergonômicas e de proteção contra riscos de acidentes e contaminações; (2) excesso de burocratização nos serviços, de verticalização das relações interpessoais e do contato com o sofrer alheio; (3) serviços de saúde imporem aos profissionais um contato prolongado e constante com o sofrimento e o adoecer humano.
Segundo os autores, a literatura enfoca o caráter relacional ao abordar o trabalho em saúde de uma forma geral. No entanto, como apontado anteriormente, quando a temática é o adoecimento dos profissionais, este aspecto é pouco problematizado. Partem assim da hipótese de que as características elencadas para explicar o adoecimento impedem a efetivação da dimensão relacional em sua potencialidade e assim produzem sofrimento e adoecimento nos trabalhadores. Questiona-se então se o sofrimento é inerente ao trabalho em saúde ou advém da forma de organização e gestão?
Para responder a essa questão foram realizadas entrevistas com 10 gestores municipais de uma secretaria municipal de saúde no Espírito Santo, buscando compreender as suas visões sobre a relação trabalhador-trabalho e sua saúde; bem como a visão desses gestores sobre o adoecimento desses trabalhadores.
As entrevistas foram analisadas pela lente teórica da Análise do Discurso Coletivo e os discursos presentes nas falas dos gestores apontaram para um reconhecimento do adoecimento dos profissionais de saúde, em relação as condições sanitárias dos locais de trabalho, junto também a uma intensidade das tarefas, especialmente nos atendimentos de urgência e emergência. Ainda sobre este aspecto, os discursos dos gestores foram agrupados em dois tipos: aqueles que atribuíam o adoecimento a condições dos serviços e aqueles que atribuíam tal fenômeno aos trabalhadores, sua posição em relação às situações e suas características pessoais.
A partir destes resultados, os autores concluem que é necessário enfocar a problemática da saúde do trabalhador nos processos de trabalho e não nos indivíduos; que o adoecimento advém da organização do trabalho e não do próprio trabalho; e da necessidade se pensar nos impactos negativos da relação entre profissional e usuário, para além das potencialidades já muito exploradas na literatura.
Consideramos que o texto contribui para a ampliação do olhar sobre saúde do trabalhador, problematizando a naturalização do adoecimento dos trabalhadores da saúde, enfatizando a importância de pesquisas sobre o tema. Embora tenha sido publicado em 2012, mostra-se extremamente atual diante das exigências da pandemia COVID-19 aos trabalhadores de saúde, especialmente aqueles que atuam no SUS.
Referências
Brotto, Tullio Cezar de Aguiar, & Dalbello-Araujo, Maristela. (2012). É inerente ao trabalho em saúde o adoecimento de seu trabalhador?. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, 37(126), 290-305. https://doi.org/10.1590/S0303-76572012000200011
*Marcela de Oliveira Sousa é graduanda no curso de Psicologia da PUC Minas, bolsista de iniciação científica do grupo de pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais.
**Danielle Teixeira Tavares Monteiro é Assistente Social, mestre e doutora em Psicologia pela PUC Minas, Analista Legislativo da Assembleia Legislativa do Estado de Minas Gerais (ALMG).
***Rafael Soares Mariano Costa é psicólogo pela PUC Minas, mestre em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local pela UNA e doutorando em Psicologia pela PUC Minas.
****Jesus Alexandre Tavares Monteiro é psicologo graduado pela PUC Minas, mestre e doutor em Psicologia Social e do Trabalho pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Atualmente é docente na Unincor e Unihorizontes, e desenvolve seus estudos sobre arte, trabalho e sociabilidade.
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