Por Leonardo de Miranda e Silva* e Rafael Soares Mariano Costa**
Resumo
A criação de plataformas ou ambientes virtuais de fácil acesso para desenvolvimento e compartilhamento de conteúdos culminou em uma transformação na utilização da Internet, em que os usuários passaram de passivos a ativos, tornando-se por vezes não só protagonistas, mas também produtores dos conteúdos. Com o surgimento dos Influenciadores Digitais e do Marketing de Influência, surgiu, também, a economia criativa, na qual o influenciador precisa estar sempre criando novos conteúdos e ideias para manter a sua gama de seguidores, vivendo com a insegurança de não conseguir prever o que terá ou não sucesso. Por conseguinte, estes profissionais estendem sua jornada de trabalho e aumentam o sentimento de competitividade, piorando as relações de trabalho e afetando com o passar do tempo a sua qualidade de vida. Nesse cenário, é comum o deterioramento da saúde mental, gerando doenças como ansiedade, depressão, transtorno de imagem e síndrome de Burnout. Este estudo buscou identificar os fatores que contribuem para o adoecimento em saúde mental dos Influenciadores Digitais no que concerne a sua prática profissional. Foi realizado um estudo documental exploratório, transversal, com abordagem qualitativa, a partir de dados secundários de domínio público, como reportagens e entrevistas publicadas na Internet. A pesquisa na base de dados foi realizada pelo website Google, nos meses de abril e maio de 2020. Os dados foram analisados por seu conteúdo e categorizados por núcleos temáticos: depressão; ansiedade; transtornos de imagem; e Síndrome de Burnout. Percebe-se, portanto, um nexo causal entre o trabalho e os agravos apresentados pelos Influenciadores Digitais. Dessa forma, sugere-se que novos estudos sejam realizados, para que se possa aprofundar as discussões acerca do tema e das medidas de prevenção que possam ser implementadas.
Palavras-Chave: Influenciador Digital, Saúde Mental, Saúde do Trabalhador.
O presente texto constitui uma resenha do artigo “Paradoxo do mundo digital: desafios para pensar a saúde mental dos influenciadores digitais”, escrito por um grupo de graduandas em medicina formado por Rayane da Costa, Luise Pinto, Laís Bussardes, Fernanda Negraes, Thaís de Andrade, Monique Oliveira, Geovanna Gonçalves e a mestra em Saúde Coletiva Maria Luiza de Barba. O artigo em questão foi publicado na revista Brazilian Journal of Health Review em março de 2021.
As autoras iniciam o artigo descrevendo o processo histórico de expansão da internet, revelando como, à medida em que os avanços tecnológicos foram implementados, resultou não só uma série de benefícios à vida cotidiana, mas também mudanças na forma de cada um ser e estar no mundo, e em especial, no mundo digital. Nesse novo mundo, cada vez mais pessoas saem de uma postura passiva ao consumir conteúdo e assumem um papel ativo, como também produtores de conteúdos na grande rede. Dentro desse outro mundo, complexo e com novas possibilidades é que muitas empresas notaram um espaço para se debruçar sobre aqueles indivíduos que se destacassem nas redes para o marketing digital, criando os primeiros profissionais desse ramo em ascendência: os Influenciadores Digitais.
De acordo com Montelatto (2015, apud COSTA, PINTO, BUSSARDES, NEGRAES, ANDRADE, OLIVEIRA, GONÇALVES, BARBA, 2021, p. 5814), um influenciador é uma pessoa que consegue influenciar sua audiência, usando de sua reputação adquirida através de blogs, sites ou redes sociais, a praticar determinada ação, seja comprar, ir a um evento, ou experimentar determinado serviço. Nesse contexto, justamente por esse influenciador muitas vezes ter um alcance maior que o da marca, é que muitas empresas utilizam desse veículo de divulgação aumentando de maneira significativa seu poder de conversão no mercado. Esse fenômeno possibilita uma série de formas e maneiras de criar envolvendo produtos para validar sua utilização prática no dia a dia. Esses influenciadores, então, são capazes de influenciar modos de comportamento de quem as acessa, seja pelas redes ou blogs, visando aumentar tanto seu próprio alcance, como também da(s) marca(s) daquele produto/serviço.
Portanto, a priori, parece um trabalho bastante satisfatório, pois se pode fazê-lo de onde estiver e ter resultados financeiros muito grandes a depender dos números que alcançar, se tornando de fato, uma celebridade. Mas, na verdade, o que está em jogo nessa prática é muito mais do que isso, a partir do momento de que no mundo digital, quando exposto para muitas pessoas e podendo ser alvo de comentários anônimos, muitos influenciadores – ou até mesmo todos – recebem mensagens de ódio e até mesmo ameaças pessoais feitas por indivíduos comumente denominados de haters – tal prática é denominada no artigo como uma forma de cyberbullying – que criticam de maneira agressiva e constante o trabalho do influencer. Com isso, estar munido de uma dose de filtros pessoais contra esses comentários é imprescindível, tendo em vista que o número de haters aumenta à medida em que o público geral também aumenta. Neste panorama, a promessa de enriquecer e se tornar uma estrela do mundo virtual começa a mostrar sua outra face. Em paralelo, atrelado a esse desejo de aumentar o público – que como posto pelas autoras é diretamente associado ao sucesso nesse ramo – outra consequência é que muitos desses trabalhadores fiquem ansiosos ou estendam inconsequentemente suas jornadas de trabalho diárias pela insegura previsão de retorno, buscando cada vez formas mais variadas de captar público, desgastando sua saúde no trabalho tão sonhado.
Desse modo, um paradoxo está posto: como se pode ser infeliz na tão sonhada atividade pela qual tanto buscou? De acordo com as autoras, isso se dá pela constante exposição da vida comum, pelo sentimento de solidão gerado pela competitividade entre os influenciadores que, inclusive, é alimentada pelas grandes empresas para que constantemente busquem maiores números e resultados; o pesar dos comentários dos haters diariamente presentes e a própria autocobrança exacerbada. Dentro disso, já se torna possível entender que o paradoxo na verdade se trata de um processo adoecedor e extremamente desgastante caso não seja feito de forma consciente e que evite essa “carga do mercado”, que a todo instante cobra, isola e rivaliza pessoas no mundo digital, mostrando através de estudo que esses profissionais se sentem altamente estressados, ansiosos, com quadros clínicos também de depressão, transtorno de imagem – devido a busca ideal de um corpo ideal e uma vida ideal para se divulgar –, e até mesmo a síndrome de burnout atrelada ao esgotamento físico e mental trazido pelo trabalho. Tais constatações são evidenciadas segundo Parkin (2018, apud COSTA, PINTO, BUSSARDES, NEGRAES, ANDRADE, OLIVEIRA, GONÇALVES, BARBA, 2021, p. 5820), ao pontuar que muitos influenciadores digitais relataram que “começou sendo o trabalho mais divertido que se possa imaginar se transformou em algo profundamente sombrio e solitário”. Esse trecho revela como o paradoxo em questão para muitos não é claro a primeiro momento, mas a medida em que se dá o fazer dessa atividade, seus obstáculos surgem de maneiras severas e que devem ser debatidas. Com isso, se torna claro que essa forma de trabalho possui nuances para muito além do que geralmente é posto na web por outros trabalhadores da categoria, que graças a rivalidade em que são colocados preferem não expor seus sofrimentos, a não ser nos pequenos ciclos, mas nunca divulgando de maneira aberta para os que sonham qual a realidade desse fazer tão idealizado. Dentro disso, é apresentado por Honorato (2019, apud COSTA, PINTO, BUSSARDES, NEGRAES, ANDRADE, OLIVEIRA, GONÇALVES, BARBA, 2021, p. 5820) que poucas pessoas compreendem que o trabalho de influenciador traz desafios que podem comprometer a saúde mental dos indivíduos, resultando em um esgotamento que não será facilmente superado se a pessoa não estiver bem preparada.
Ademais, o artigo revela que em 2018 o Projeto de Lei n° 10937/2018 é apresentado no Congresso, finalmente reconhecendo o profissional “Influenciador Digital”, e com isso, resolvendo uma parte dos problemas dessa classe de figuras públicas que antes recorria somente a meios privados para recursos de seguridade e previdência. Porém, muito ainda há de ser feito, a início pelos tabus gerados pelo sofrimento não dito tentando criar uma “vida perfeita” na web, até chegar na desconstrução de padrões ideais de vida e consumo que muitas vezes restringem esses profissionais de serem quem são, se anulando no exercer de seu trabalho para se tornarem capazes de influenciar seus seguidores, sendo que na verdade, não é necessário vestirem-se como fonte de pura perfeição para tal. Portanto, é possível concluir que fomentar o consumo não pode ser a prioridade máxima dessa categoria, mas sim buscar tornar-se veículo de opinião como já vem sendo, mas de maneira real, humanizando os espaços digitais na expectativa de que abandonando parte dessas cobranças pessoais e também externas esse fazer continue produtor, porém, menos adoecedor e com menos resíduos para quem o faz.
Por fim, se constata com o artigo que ainda há muito para ser pensado e estudado sobre esse tema tão atual, e que estudos como este, de levantamento de dados, já produzem reflexões extremamente válidas e relevantes. Nesse contexto, é importante ressaltar que a pesquisa em questão utiliza de uma metodologia bastante acessível utilizando o próprio Google na coleta de dados, porém, não é revelado no artigo muito além das palavras-chave e critérios de inclusão selecionados, ou seja, não expõe de forma detalhada as estratégias da metodologia e também não elabora de maneira explícita com o leitor os limites dessa abordagem, que como qualquer outra possível, possui sim limitações que devem ser levadas em contas ao se pensar em suas conclusões.
Referência
COSTA, R. M. DA et al. Paradoxo do mundo digital: desafios para pensar a saúde mental dos influenciadores digitais / Paradox of the digital world: challenges to think about the mental health of digital influencers. Brazilian Journal of Health Review, v. 4, n. 2, p. 5811–5830, 2021. [Acessado 10 novembro 2022], pp. 5811-5830. Disponível em:
https://doi.org/10.34119/bjhrv4n2-145
*Graduando em Psicologia na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas, integrante do Grupo de Pesquisa: Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – PsiTraPP / PUC Minas.
**Doutorando em Psicologia pela PUC Minas e integrante do Grupo de Pesquisa: Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais – PsiTraPP / PUC Minas.
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