O trabalho é a essência do homem? Resenha: Eugène Enriquez

O trabalho é a essência do homem? Resenha: Eugène Enriquez

Observemos Johnson (1761) responder à objeção de Boswell (seu biógrafo) de que “a ociosidade gera tédio”: “Isso ocorre, meu senhor, por que os outros estão ocupados, de maneira que nos falta companhia. Se, pelo contrário, fôssemos todos ociosos, não sentiríamos nenhum tédio, nos divertiríamos uns com os outros” (ENRIQUEZ, 2014).

Sempre acreditei na importância do trabalho. Vejo muitas vezes a profissão como o centro da vida de muitas pessoas. Inclusive, aos nos apresentarmos, é comum mencionarmos nome, idade e profissão, como, por exemplo: Fulano, 23, farmacêutico. Mas, e se o trabalho não for tão essencial assim? Ou, pelo menos, os empregos formais e opções profissionais – como os conhecemos – tão valorizadas e oferecidas não forem tudo isso?

Trabalhar é preciso para ter dinheiro e sobreviver, obviamente. Na grande maioria dos casos não é uma escolha, e sim um caminho inevitável, longe de qualquer especulação ou reflexão sobre a ação. No entanto, é importante desenvolver um olhar critico sobre o trabalho, e aqui falamos sobre o trabalho no modelo emprego formal ou informal, e que envolve a remuneração em troca da força de trabalho.

Precisamos trabalhar tanto assim? É necessário colocar toda nossa energia no trabalho? Ou todas as expectativas? Estímulos a construir uma carreira, se tornar um profissional bem sucedido, estabelecer certo status social e financeiro, não faltam.

“… o homem nunca esteve tão encerrado nas malhas das organizações e tão pouco livre em relação ao seu próprio corpo e ao seu modo de pensar” (ENRIQUEZ, 1997).

É ótimo encontrar opiniões diferentes e argumentos que desmontam um ponto de vista já bem estabelecido como no texto de Eugène Enriquez (2014), “O trabalho, essência do homem? O que é o trabalho?”. É difícil resumir um artigo tão bem fundamentado e construído. Recomendo sua leitura integral.

Enriquez questiona se o trabalho é a essência do homem e responde negativamente. Afirma que outros atributos se apresentam como igualmente ou mais significativos que o trabalho na constituição do homem, nos representando tão bem quanto, como: linguagem, lazer, amor, religião, o brincar e a guerra. Além disso, alerta ainda para que o trabalho não continue sendo o sinal mais evidente da alienação humana.

enriquez

Entendo que não é objetivo do autor diminuir a importância do trabalho, muito pelo contrário. Enriquez busca sim questionar uma visão muito difundida de que o trabalho é a essência do homem e alertar para grande proporção que esse papel (profissional) ganhou em nossas vidas, muitas vezes de forma alienada e pouco livre.

Além de ilustrar os outros atributos já citados, Enriquez discute a questão do ócio, do lazer e da preguiça, trazendo exemplos de civilizações antigas nas quais o trabalho não era encarado com tanto interesse e não tomava tanto tempo como hoje em dia.

Ao mencionar tribos Tupi-Guarani (ou Guayaqui) analisadas por Clastres (1974), Enriquez (2014) cita:

“os homens trabalhavam cerca de dois meses a cada quatro anos. Quanto ao resto do tempo, dedicavam a ocupações não sentidas como penosas, mas como prazerosas: caça, pesca, festas e bebedeiras; e satisfazendo seu gosto apaixonado pela guerra”.

Ao comentar a obra de Bertrand Russel (1932), Enriquez diz que “segundo ele, com quatro horas diárias de trabalho, todos teriam tempo de se cultivar, de sentir ‘a alegria de viver, de ser originais, benevolentes e não guerreiros’”. Encarado comumente como obrigação, “esse pouco gosto pelo trabalho é encontrado […] nas sociedades que formaram a base da civilização ocidental” (ENRIQUEZ, 2014).

Basicamente o autor demonstra como a partir do século XIX, a atmosfera muda com o advento da indústria e o estímulo ao trabalho e, acrescido do consumo exagerado e da especulação financeira, “o mundo fica alternativamente obcecado pelo crescimento ou pela crise”.

Por mais que possa parecer, argumentos a favor de trabalhar menos não são um estímulo à preguiça e ao ócio apenas (também muito importantes), mas sim uma crítica inteligente ao tempo gasto em uma atividade que, apesar de nos render reconhecimento social, condições de sobrevivência e conferir sentido à nossa existência, nem sempre condiz com nossos reais desejos.

Referências

ENRIQUEZ, Eugène. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica. RAE – Revista de Administração de Empresas, São Paulo, v. 37, n. 1, p. 18-29 Jan./Mar. 1997

ENRIQUEZ, Eugène. O trabalho, essência do homem? O que é o trabalho? Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, São Paulo, v. 17, n. spe. 1, p. 163-176, 2014

1 comentário até agora

O trabalho imita a arte? – Trabalho e Psicologia Publicado em08:25 - 08/06/2018

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