Por Luan Tannure Muschioni* e Bruno Márcio de Castro Reis**
Resumo: O objetivo do ensaio é desvelar os mecanismos internos da lógica do toyotismo como nova ideologia orgânica do controle da força de trabalho e do trabalho vivo no capitalismo global. O toyotismo torna a exploração do capital mais consensual, envolvente e manipulatória. A constituição dos novos consentimentos espúrios exigidos pelo método toyota ocorre por um intenso processo de manipulação da subjetividade do trabalho vivo (que é o conteúdo da “captura” da subjetividade). A lógica manipulatória do toyotismo sob o lastro das inovações sócio-metabólicas atinge as dimensões do psiquismo humano. Apresentamos os conceitos de “inconsciente estendido” e “compressão psico-corporal” como lastro categoriais explicativos importantes da nova dinâmica psicossocial do capitalismo manipulatório.
Palavras-chave: Trabalho, Toyotismo, Capitalismo global, Psicanálise, Estresse.
Este texto é uma resenha crítica do artigo: “A subjetividade às avessas: o toyotismo e ‘captura’ da subjetividade do trabalho pelo capital”, artigo de Giovanni Antonio Pinto Alves, professor livre-docente da UNESP (Universidade Estadual Paulista) Campus de Marília/SP, do programa de pós-graduação da UNESP-Marília e do Doutorado em Ciências Sociais da UNICAMP. O autor é pós-doutor pelo Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra (Portugal) e pela Universidade Complutense de Madri (Espanha). O texto foi publicado em 2008 na revista “Cadernos De Psicologia Social Do Trabalho”, Volume 11(2), Páginas 223 à 239.
Sob a luz da psicanálise, colocada como “a ciência da subjetividade burguesa” por Alves (2008), o ensaio reflete acerca do processo de “captura” da subjetividade do trabalhador. Passando pelas instâncias da consciência, pré-consciência e do inconsciente; o ensaio aponta como o capitalismo atua sobre a psique humana e age sobre o comportamento, sendo apresentado, portanto, conforme o autor, como um sistema manipulatório (ALVES, 2008).
Para fins ampliar e sustentar a discussão trabalho e subjetividade, além da psicanálise, o ensaio discute conceitos e noções marxistas; versa sobre ideologia, classe, consumo, fetiche, mercadoria, entre outros (ALVES, 2008). Neste sentido, conforme o autor, à medida que o consumo alcança o campo simbólico e se caracteriza mais em razão do prestígio, impulsionado pela publicidade, do que propriamente em razão das necessidades objetivas e materiais, o consumo reforça o trabalho alienativo, transformando a relação do trabalhador com seu trabalho, inclusive com os objetivos de sua produção.
Ponto de destaque do ensaio desenvolvido por Alves (2008), diz respeito à reflexão sobre o Toyotismo. Conforme o autor neste modelo de trabalho, a produção é ajustada pelo consumo, o que incide diretamente sobre o trabalhador que também precisa se ajustar. É cobrado do trabalhador, neste sistema, conforme Alves (2008) o desenvolvimento de sua capacidade cognitiva e sua dedicação, o que se torna um ponto de captura da subjetividade, ponto chave da discussão desenvolvida no ensaio, e de fundamental importância para compreensão de sua aderência ao trabalho. Para tal discute-se, por exemplo, a eufemização da posição do empregado e do operário pela implementação de termos similares, como colaborador, que embute a noção de participação, envolvimento e afeto, suavizando e buscando ocultar, ou invisibilizar a relação de poder estabelecida na relação capital-trabalho.
Avançando na compreensão e comparação das diferentes escolas de administração, o autor explicita que no contexto do fordismo-taylorismo há uma certa separação entre corpo e mente, já que em um trabalho de repetição, o trabalhador não precisa, necessariamente, estar focado mentalmente na tarefa que realiza. Já no toyotismo, se tem o que é chamado “compressão corporal”, já que é um trabalho que exige que o cognitivo seja preparado pela especialização na tarefa, para que o corpo a execute com maior cuidado. Porém, Alves nos traz que “a ‘recomposição’ mente-corpo que ocorre com o toyotismo é tão problemática quanto a decomposição mente-corpo que caracterizava o fordismo-taylorismo” (2008, pg.236), que ocorre devido à permanente negação da subjetividade do trabalhador, cuja posição evoluiu apenas no contexto de ferramenta de trabalho.
O ensaio aqui resenhado suscita debates que, mesmo após mais de uma década de sua publicação, torna sua leitura necessária e atual. Em diálogo com a psicanálise e o marxismo o autor discute a relação subjetividade e trabalho em interface com a economia, a política e as técnicas de gestão e administração, colaborando para a compreensão a respeito do modo como o capital atua sobre a psique, de modo consciente e inconsciente, produzindo valores, conformando contextos e configurando comportamentos. Entre outros aspectos, a leitura do ensaio resenhado pode contribuir para o entendimento acerca do quanto a gestão do processo de trabalho pode estar intimamente associada à vida psíquica dos sujeitos, exigindo para além de sua disposição física e entrega de um determinado produto; seu envolvimento e inteligência, bem como seus desejos e sonhos.
Referências:
Alves, G. A. P. (2008). A subjetividade às avessas: toyotismo e “captura” da subjetividade do trabalho pelo capital. Cadernos de psicologia social do trabalho, 11(2), 223-239.
Marx, K. (2015). O Capital-Livro 1: Crítica da economia política. Livro 1: O processo de produção do capital. Boitempo Editorial.
*Graduando em Psicologia da PUC Minas, integrante do PsiTraPP e Estagiário na Laço, Associação de Apoio Social.
** Doutorando em Psicologia PUC Minas. Integrante do PsiTraPP/ PUC Minas.