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Afinal, quem são os responsáveis pelos acidentes de trabalho?

Por Matheus Ferreira de Oliveira*, Alexander Lúcio de Sá Araújo** e Adriano Cordeiro Leite***

O presente texto trata-se de uma resenha crítica do artigo intitulado “A persistência da noção de ato inseguro e a construção da culpa: os discursos sobre os acidentes de trabalho em uma indústria metalúrgica”, do autor Fábio de Oliveira, doutor em Psicologia Social, Psicólogo do Centro de Psicologia Aplicada ao Trabalho do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e docente da Faculdade de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

O artigo em questão, resultado da dissertação de mestrado do autor, traz uma discussão acerca de como as investigações e registros dos acidentes de trabalho, juntamente com outras práticas organizacionais voltam-se para a construção de um discurso de culpabilização do acidentado.

O autor pontua o contexto atual de culpabilização do trabalhador nos acidentes das fábricas; e indica que tal nexo casual decorre do modelo heinrichiano (também chamado de “teoria dos dominós”). A referida teoria diz que todo acidente é causado por algo anterior, iniciando-se por alguma falha humana, seja: na formação do caráter; nos comportamentos inadequados no ambiente de trabalho; nos atos e condições inseguras; até resultarem na lesão (primeira, segunda, terceira e quarta peças do dominó respectivamente).

Nesse contexto, o autor também discute o modelo heinrichiano durante a ditadura militar brasileira, no chamado “milagre econômico”, período marcado pela oficialização da dicotomia dos atos e condições inseguras como causas dos acidentes.

A empresa no qual foi feito o estudo é uma metalúrgica de grande porte, com cerca de mil e quinhentos funcionários na época. Consequentemente, existem na empresa atividades que apresentam riscos para o operário em diversos ramos, como manipulação de peças, transporte e armazenamento de materiais e manutenção no maquinário. Como uma forma de minimização desses riscos, a empresa desenvolve diversas ações de gestão e prevenção de riscos, que entretanto acabam sendo limitadas à um fenômeno denominado “naturalização dos riscos”. Além disso, a ficha de registro de acidentes compõe-se de um campo para a descrição do ocorrido, outro para descrição de atos e condições inseguras, além de um campo no qual o trabalhador explica o motivo da realização do ato inseguro.

O autor ressalta a existência de modos de propagação da concepção heinrichiana através da comunicação interna como, por exemplo, na cartilha a Vida é frágil, na qual lê-se que: “Grande parcela de responsabilidade na prevenção de acidentes cabe ao empregado não ao dirigente […]” (OLIVEIRA, 1997, p.23). Contudo, a empresa realiza ações de detecção e a eliminação de riscos no ambiente de trabalho; além da Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) ver vista como modelo pelo Sindicato.

Os acidentes são um tema frequente durante as conversas formais e informais na empresa, e graças a isso, diversos debates são desenvolvidos. O primeiro dilema apresentado nestes debates discute a própria definição de acidente e até que ponto ele pode chegar, questionando fatores externos ou incidentes simples com causadores de acidentes ou não. Um outro dilema discute a imprevisibilidade.

Seria possível a identificação anterior dos riscos ou eles acontecem por “razões naturais”? Agora, em relação as causas propriamente ditas dos acidentes, os conceitos da teoria heinricihana voltam à tona. O significado de ato inseguro é praticamente unânime em relação aos operários: falha humana, na maioria das vezes inesperada, que antecede o evento acidental. Por outro lado, as condições inseguras seriam falhas dos maquinários ou de outros constituintes da empresa.

Esse contexto, por muitas vezes, acaba causando um sério dilema para os colaboradores, pois parte deles opta pela não aceitação às condições inseguras, e parte acaba por aceitar a situação, por medo de ficarem marcados pelas chefias e de serem alvos de retaliações (OLIVEIRA, 2007).

Na pesquisa realizada, o autor identificou resistências ao discurso hegemônico e rupturas de sentidos, decorrentes tanto do discurso sindical quanto da adoção do método da árvore de causa na investigação de acidentes. Foi destacada também a ocorrência de reivindicação de melhores condições de trabalho devido a compreensão de responsabilidade da organização em acidentes ocorridos.

Ao término do trabalho, ressalta-se a necessidade de construção de um contradiscurso às ideias hegemônicas para sustentar ações que transformem a realidade estudada. Para tanto, são demandadas as participações dos trabalhadores, dos representantes sindicais e técnicos.

Referências

OLIVEIRA, Fábio de. A persistência da noção de ato inseguro e a construção da culpa: os discursos sobre os acidentes de trabalho em uma indústria metalúrgica. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional, São Paulo, 32 (115): p. 19-27, 2007. Disponível em <https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S030376572007000100003&script=sci_abstract&tlng=pt >. Acesso em 8 out. 2020.

* Matheus Ferreira de Oliveira é graduando no Curso de Administração da PUC Minas e bolsista de iniciação científica do grupo de pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais.

** Alexander Lúcio de Sá Araújo é graduado em Engenharia de Produção pela PUC Minas e Mestrando em Psicologia pela PUC Minas.

*** Adriano Cordeiro Leite é psicólogo graduado pela UFMG, bacharel em Administração pela PUC Minas, mestre em Tecnologia pelo CEFET-MG e doutorando em Psicologia pela PUC Minas. Atualmente, é professor do Departamento de Administração da PUC Minas.

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