Silêncio organizacional e debates no trabalho: efeitos e soluções

Silêncio organizacional e debates no trabalho: efeitos e soluções

Como já indicou Pierre Trinquet (2010), para se compreender e intervir sobre o trabalho, “todas as disciplinas são necessárias, mas nenhuma é suficiente”. Portanto, um dos princípios do nosso grupo de pesquisa é adotar uma perspectiva interdisciplinar na discussão sobre o trabalho, que contemple os seus múltiplos atravessamentos. Nesse sentido, o presente texto nos foi trazido por nossos colegas da Administração e da Engenharia.

Por Matheus Ferreira de Oliveira*, Alexander Lúcio de Sá Araújo** e Adriano Cordeiro Leite***.

O texto a seguir se trata de uma resenha crítica do artigo intitulado “Do silêncio organizacional aos espaços de debate sobre o trabalho: efeitos sobre a segurança e sobre a organização”, do autor Raoni Rocha, doutor em Ergonomia e Organização do Trabalho pela Universidade de Bordeaux, atualmente professor da Universidade Federal de Itajubá (UNIFEI).

De acordo com o autor, vivemos num mundo de intensas transformações no trabalho, no qual os procedimentos e regras no meio organizacional estão em constante desenvolvimento, com o intuito de adaptar a organização para acompanhar as novas tendências do mercado, por exemplo.

No entanto, a realidade do trabalho operacional é diferente do prescrito. As regras não englobam todos os eventos possíveis, e muitas vezes os trabalhadores se deparam com situações nas quais é difícil ou impossível adotar os procedimentos prescritos para a realização da atividade. Diante desse contexto, o trabalhador acaba por esconder essa realidade do trabalho – distância entre o já estabelecido pela gerência e o que de fato será feito -, desenvolvendo uma espécie de “silêncio organizacional”. Isso acontece pois ele fica numa posição em que não pode respeitar as regras definidas nem as modificar, pois corre o risco de ser penalizado pela gerência.

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O autor pontua que para romper o silêncio organizacional, é necessário associar os conceitos de “segurança normatizada”, que diz respeito aos processos padronizados que são utilizados para prevenir incidentes, e “segurança em ação”, que se refere à capacidade de resposta pertinente em tempo real, adaptando os procedimentos para cada situação. Além disso, segundo o artigo, é necessária uma mudança na organização como um todo. Partindo da Teoria do Trabalho de Organização, a empresa é movida por dois aspectos: o ligado à gestão (regras, procedimentos, etc.), e o ligado às relações humanas, partindo dos vínculos e interações dos funcionários entre si. O grande desafio das empresas é conciliar essas duas faces da organização, fazendo com que ela seja vista não só por sua faceta formal, mas também por sua faceta viva (ROCHA, 2015, p. 4).

Nesse contexto, uma possível solução seria implantar uma gestão mais participativa na organização, com a inclusão de debates formais sobre as situações de trabalho, que muitas vezes ocorrem de maneira não oficial em corredores e espaços de conversas cotidianas. A seguir, o artigo mostra um estudo de caso numa empresa de energia elétrica, colocando em prática esses espaços de debate.

A pesquisa foi feita durante três anos e possui três fases. No primeiro ano, a pesquisa focou em observações e entrevistas para levantamento de dados e situações no ambiente de trabalho. No segundo ano, o foco se baseou em implantar espaços de debate quinzenais, analisando e buscando refletir sobre as situações levantadas na fase anterior, construindo assim um dispositivo de debate, denominado EDT – Espaço de Debate sobre o Trabalho. A terceira fase se baseou na utilização do EDT e análise da forma de apropriação deste pelos trabalhadores no meio organizacional.

Os resultados mostram que a implantação do EDT com discussões acerca da “segurança em ação”, com situações não previstas no regulamento, favoreceu o desenvolvimento e evolução dos funcionários no ambiente organizacional. Esse modelo fez com que os mesmos se sintam mais alertas e preparados para determinados tipos de imprevistos.

A implantação do EDT também viabilizou a prevenção de situações de risco, fato que era pouco ou nada realizado anteriormente. Além de declarar a situação, agora os funcionários estudam os possíveis riscos e definem as melhores soluções para resolvê-los. Isso favorece a resolução de problemas na realidade do trabalho, além de propor uma reflexão coletiva para todos.

Outro fator relevante se dá pela aprendizagem mútua entre os trabalhadores durante esse período. Muitas vezes a divisão de informações nos debates faz com que alguns funcionários se deparem com situações nunca antes vistas. Isso estimula o interesse pelo aprendizado e a difusão do conhecimento para todos os setores da organização.

De modo geral, uma gestão mais participativa com mais autonomia e comunicação entre os funcionários, juntamente com a inserção do EDT, beneficia a empresa no combate ao silêncio organizacional e auxilia o próprio indivíduo em sua evolução como profissional e como ser humano. Essa experiência deu uma nova visão para os funcionários da empresa, que agora partem para uma abordagem mais precisa e cuidadosa na organização. Essa evolução se dá por meio da articulação da segurança normatizada e da segurança em ação na organização, e esse método de gestão se torna um passo enorme na busca de adaptação à melhores condições e formas de trabalho.

Referência

ROCHA, Raoni. Do silêncio organizacional aos espaços de debate sobre o trabalho: efeitos sobre a segurança e sobre a organização. Ação Ergonômica, Rio de Janeiro, v.12, n.1, p. 56 – 63, 2017. Disponível em: < http://www.abergo.org.br/revista/index.php/ae/article/view/716/297>. Acesso em 10 set. 2020.

TRINQUET, Pierre. Trabalho e educação: o método ergológico. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, número especial, p. 93-113, ago.2010. Disponível em: https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8639753 Acesso em 24 set. 2020.

* Matheus Ferreira de Oliveira é graduando no Curso de Administração da PUC Minas e bolsista de iniciação científica do grupo de pesquisa Psicologia, Trabalho e Processos Psicossociais.

** Alexander Lúcio de Sá Araújo é graduado em Engenharia de Produção pela PUC Minas e Mestrando em Psicologia pela PUC Minas.

*** Adriano Cordeiro Leite é psicólogo graduado pela UFMG, bacharel em Administração pela PUC Minas, mestre em Tecnologia pelo CEFET-MG e doutorando em Psicologia pela PUC Minas. Atualmente, é professor do Departamento de Administração da PUC Minas.

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1 comentário até agora

Thiago Casemiro Mendes Publicado em19:01 - 04/10/2020

Muito bom o texto do Professor Raoni! Grata surpresa em perceber tamanha sensibilidade e seriedade, em uma discussão por vezes cara para áreas do conhecimento que envolvem Gestão e Produção.

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