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Discriminação nos processos de recrutamento e seleção

A proposta deste meu primeiro texto é discutir a existência do racismo nos processos de recrutamento e seleção. A ideia surgiu a partir da minha experiência atuando em consultorias de recursos humanos na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais. Para esse breve relato, realizei um pequeno levantamento teórico e, em seguida, utilizei a vivência de alguns profissionais que atuam na área, particularmente em consultorias.

No dicionário, preconceito significa a “manifestação hostil ou desprezo contra indivíduos ou povos de outras raças”. (FERREIRA, 1999, p. 567). Já racismo, segundo o mesmo dicionário, é definido como uma “teoria que afirma a superioridade de certas raças humanas sobre as demais. Caracteres físicos, morais e intelectuais que distinguem determinada raça. Ação ou qualidade de indivíduo racista.  Apego à raça” (p. 602).

Segundo Santos et al (2009), “as etapas do processo de recrutamento e seleção têm como objetivo identificar nos candidatos as competências necessárias para assumir o cargo em aberto e diminuir ao máximo os riscos da contratação, ou seja, os riscos do candidato não se ajustar ao cargo e à cultura da empresa” (p.40).

O recrutamento pode ser entendido como um processo que visa atrair candidatos potencialmente qualificados e capazes de ocupar cargos dentro da organização (GIL, 2001). O processo de seleção consiste em comparar esses candidatos, identificando suas características pessoais e habilidades e até mesmo seu comportamento futuro no cargo, através de diversos procedimentos ou métodos de seleção.

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Durante a etapa que antecede o recrutamento percebi, durante a minha vivência na área, que ao realizar o alinhamento do perfil dos candidatos junto aos gestores, já apareciam discriminações, não só caracterizadas como racismo. Observei também discriminação por faixa etária, tipo físico, raça, religião e condição financeira, por exemplo. Ou seja, as discriminações são amplas. No entanto, iremos nos concentrar no racismo.

Segundo Assunção (2001), o Brasil é considerado o segundo maior país em quantidade de negros em todo o mundo, isto é, o maior país em quantidade de negros fora da África, continente onde a Nigéria ocupa o primeiro lugar. Todavia, esse aspecto não nos livrou do racismo como elemento estrutural de nossa cultura. Rosenfeld, citado por Assunção, afirma que, “ideologicamente, o preconceito contra os negros no Brasil é quase sempre totalmente negado, e o brasileiro se gaba com orgulho de sua falta de preconceito”. (ROSENFELD apud ASSUNÇÃO, 2001. p 2).

O racismo é crime no Brasil, de acordo com a Lei Federal nº 7716 de 1989. No entanto, palavras e leis não mudam comportamentos de forma automática. Ou seja, o racismo circula por aí e pode ser encontrado nos processos de recrutamento e seleção.

De acordo com Assunção (2001) algumas instituições “até empregam certos afrodescendentes”, desde que eles permitam se despir de sua identificação com grupos negros. Como herança da nossa escravidão, a maioria dos negros no Brasil desempenha atividades de menor prestígio social ou precarizadas, como: serviços domésticos, pedreiros, lixeiros, telemarketing, entre outros. Os trabalhos de atendimento ao cliente, como vendas ou cargos no banco, são direcionados para pessoas “brancas”. Ainda de acordo com o autor, as instituições que abrem “exceção” para contratação de negros, exigem que os mesmos mudem as suas características físicas, como alisar o cabelo, por exemplo.

Mesmo que velado, o preconceito no Brasil existe e isso reflete nos processos seletivos, influenciando e determinando, muitas vezes, de forma irrefletida, nossa atuação enquanto psicólogos(as). Para Júlia, uma assistente de RH com a qual tive contato:

“Muitas vezes as empresas não aceitam negros porque o cliente não gosta de ser atendimento por um negro. Em lojas de roupas de grife é muito difícil ver um vendedor negro, se tiver algum funcionário negro geralmente é a faxineira. Essas exigências são passadas para o psicólogo que faz o recrutamento e seleção e isso causa desconforto no mesmo”

O que, por determinação da Lei nº 9.029 de 13 de Abril de 1995, é proibido:

Fica proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso a relação de emprego, ou sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade, ressalvadas, neste caso, as hipóteses de proteção ao menor previstas no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. (BRASIL, 1995).

No que diz respeito ao processo de seleção, Márcia, analista de RH, retrata o desafio ético vivenciado por ela:

“O psicólogo se vê em um empecilho ético. Não pode contratar a candidata, pois ela é negra, e também não pode dizer que sua eliminação no processo, se dá devido sua etnia. Quando o psicólogo já recebe o ‘perfil’ da vaga pronto, ele não tem muito que fazer, na maioria das vezes não há flexibilidade nesse perfil e por mais que o psicólogo tente não há conversa. O psicólogo pode ignorar e mandar candidatos “fora” do perfil que a empresa deseja, porém o gerente não irá fechar a vaga e isso pode trazer problemas para o psicólogo. Entra outro empecilho fazer o processo de acordo com a ética ou de acordo com as normas da empresa? Quando o psicólogo decide não acatar as normas de recrutamento e seleção da empresa ele pode acabar desempregado”.

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Como observa Renato Ladeia Oliveira, citado por Sales (2012), por meio de histórias de vida de profissionais de recursos humanos que atuavam com recrutamento e seleção, é possível afirmar que “o processo de seleção dos empregados tem uma importância primordial na investigação do racismo nas organizações, pois é o primeiro contato com a empresa, podendo resultar numa experiência positiva ou negativa, na contratação ou não” (OLIVEIRA apud SALES, 2012, p. 8).

Pode-se concluir que a Psicologia pode contribuir com um trabalho focado, não somente no recrutamento e seleção, mas que apresente uma postura crítica quanto a estes acontecimentos. Ainda que os mecanismos de poder nas organizações e a própria ameaça de exclusão dos(as) psicólogos(as) destes espaços se apresentem como desafios trazidos com a postura crítica, entende-se que se trata de um trabalho de inclusão e de um combate a um crime previsto por lei. Ou seja, um compromisso ético da profissão.

Durante minha experiência na área, percebi que nem sempre era possível me posicionar quanto às discriminações. No entanto, cabe a nós profissionais da área tentar localizar uma abertura para discutir o tema. Quando eu identificava, no alinhamento de perfil com o gestor, que existia uma determinada discriminação, como, por exemplo, a raça, e sentia que tinha uma abertura para discutir o perfil do candidato, eu pontuava a discriminação e questionava em que essa discriminação impactaria na atividade de trabalho do profissional que será recrutado.

Dessa forma, estava propondo reflexões que o levassem a entender – ou tomar consciência – que estava simplesmente excluindo por excluir, o que difere da necessidade de um alinhamento de perfil no qual ele necessitaria de um candidato que tenha uma altura específica por conta da atividade que irá realizar, por exemplo.

Devemos entender que esta postura crítica é um desafio à forma de operacionalizar a seleção. E que a raça, assim como a condição financeira, a faixa etária e a religião, por exemplo, não interferem no que podemos chamar de “funcionamento laboral” e que a discriminação só levará à exclusão do mérito e à injustiça social.

Referências

ASSUNÇÃO. J.P Amaral. Mercado de Trabalho Branco! Racismo? Na Virada do Século XX!? Disponível em: <> www.naea.ufpa.br/pdf_tcc.php?id=72 <> Acesso em 27/08/2014.

BRASIL. Lei nº 9.029, de 13 de abril de 1995. Presidência da República; Casa Civil; Subchefia para Assuntos Jurídicos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9029.htm> Acesso em 19/08/2014.

BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Presidência da República; Casa Civil; Subchefia de Assuntos Jurídicos. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm> Acesso em 19/08/2014.

FERREIRA, A. B. H. Aurélio século XXI: o dicionário da Língua Portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

GIL, Antônio Carlos. gestão de pessoas: enfoque nos papeis profissionais. São paulo: Atlas, 2001.

SALES, Mara Marçal, À flor da pele: uma análise crítica de discursos empresariais sobre diversidade racial no trabalho / Mara Marçal Sales. – UFMG/FaE, f., enc, il.. Tese – (Doutorado) – Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação.

SANTOS, Eunice Sabino et al. O papel do psicólogo na captação e no desenvolvimento das pessoas no setor de vendas. 2009. f. 54. Monografia (Graduação em Psicologia) – Curso de graduação em Psicologia. UNIVALE. Universidade Vale do Rio Doce, Governador Valadares.

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