O que pensar sobre a Psicologia Organizacional e do Trabalho?

O que pensar sobre a Psicologia Organizacional e do Trabalho?

Desde que me formei psicólogo, avancei muito – pelo menos, é o que acredito – na minha compreensão sobre o que chamamos de uma psicologia aplicada às organizações. Formei-me em uma ênfase sócio-organizacional, fechando minha formação acadêmica, naquele momento, com o estudo das instituições, dos processos sociais e do trabalho.

Do que considero a mistura de imaturidade profissional e pessoal, com um ensino que nem sempre nos envolve de forma crítica o suficiente, se origina frequentemente um entendimento parcial do proclamado psicólogo organizacional. Como não fiz tantos estágios profissionais em empresas, fui estudar e conhecer na prática a atuação do psicólogo em organizações.

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O trabalho – no molde de um emprego formal em uma organização, com o qual normalmente lidamos – é um objeto complexo, atravessado por análises no campo da Economia, Política, Administração, Medicina, História e muitos outros. Afinal, é o pilar de sustentação da sociedade como a conhecemos e principal atividade social e cultural que desempenhamos por grande parte de nossas vidas.

Minha tentativa, neste artigo, é apenas refletir criticamente sobre o campo da chamada Psicologia Organizacional e do Trabalho – POT e situar algumas abordagens que mais se adequam ao meu entendimento da realidade atualmente.

Um esboço sobre a Psicologia Organizacional e do Trabalho – POT

No decorrer da história, com o desenvolvimento da Psicologia científica e de outras áreas do conhecimento, formou-se aos poucos o que pode se considerar um campo específico de compreensão e intervenção na relação entre trabalho, organizações e pessoas (LEÃO, 2012).

Apesar de possuírem um objeto comum – o trabalho – é difícil dizer que exista uma unidade entre as abordagens da chamada Psicologia Organizacional e do Trabalho – POT (BENDASSOLLI; SOBOLL, 2011a). Afinal, as inúmeras perspectivas que norteiam o pensamento do psicólogo sobre o mundo do trabalho apresentam algumas divergências relevantes (LEÃO, 2012).

Um livro que pode auxiliar a sua leitura sobre esse campo é o conhecido “livro verde”, Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil, organizado por José Carlos Zanelli, Jairo Eduardo Borges-Andrade e Antonio Virgílio Bittencourt Bastos. Inclusive sobre a polêmica que envolve uma “Psicologia das Organizações”, de um lado, e uma “Psicologia do Trabalho”, de outro. Ou ainda, uma “Psicologia do Trabalho e das Organizações – PTO”.

Servindo inicialmente ao avanço do comércio e da indústria, essa psicologia – uma certa Psicologia Industrial – surgiu com a intenção de minimizar problemas e deter conhecimentos sobre as pessoas e grupos para melhor administrá-los. Conhecer aptidões e capacidades para melhor adequar os sujeitos a postos de trabalho (LEÃO, 2012).

Considera-se a Revolução Industrial inglesa, a partir de 1760, um grande marco para uma série de avanços técnicos e transformações sociais, processos de industrialização e urbanização. Para Leão (2012), essas mudanças foram acompanhadas pela degradação das condições de vida e de trabalho de boa parcela da população e, já no século XX, surgem práticas da psicologia buscando minimizar problemas individuais e coletivos nas instituições.

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Também com o objetivo de selecionar, examinar, testar e classificar habilidades pessoais em função de uma atividade específica, essa Psicologia teve origem em instituições como indústrias, escolas, prisões e exércitos, buscando controlar variáveis e predizer comportamentos. Há, dessa forma, um interesse primordial pelo comportamento, com vista ao manejo do desempenho.

Para estudiosos do tema ou mesmo leigos no assunto, cito apenas alguns termos que lhe parecerão familiares, que orbitam o campo da administração e da psicologia: avaliação de desempenho, recursos humanos, treinamento e desenvolvimento, coaching, recrutamento e seleção de pessoal, gerenciamento do estresse, qualidade de vida no trabalho, clima organizacional, doenças profissionais, acidentes ou adoecimento no trabalho.

Garanto que qualquer leitor conhece pelo menos algum deles.

Quando começamos a atuar como psicólogos em empresas então, nos vemos imersos em práticas e teorias que naturalmente aprendemos e reproduzimos, e conhecemos um mundo além dos muros da universidade. A crítica e o questionamento parecem vir da experiência profissional e da história pessoal de cada um, com o tempo.

Controlar e prever, ou compreender e transformar?

Pessoalmente, pouco atuei com as conhecidas práticas tradicionalmente atribuídas ao psicólogo nas organizações. Recrutei e selecionei. Dei alguns treinamentos, conduzi programas de desenvolvimento, apliquei e corrigi testes, e fiz algumas pesquisas de clima e diagnósticos.

Se não considero fácil a missão de um psicólogo organizacional, pode-se dizer que a tarefa de um psicólogo crítico e que busca adotar uma postura compreensiva dos fenômenos do mundo do trabalho, é ainda mais árdua.

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Mas, como a perspectiva adotada pelo psicólogo pode demarcar a sua atuação em uma empresa?

Bendassolli e Soboll (2011a) propõem uma interessante divisão para entendermos o campo da POT. Para os autores, existem duas grandes influências nesse campo: os paradigmas neopositivistas e os paradigmas não positivistas ou compreensivos. Na medida que os primeiros focam a previsão e o controle, os últimos focam a compreensão dos fenômenos.

Os pesquisadores sugerem que a díade compreensão versus controle está presente na Psicologia científica de um modo geral, afetando nossas metodologias qualitativas ou quantitativas, e nossas percepções fenomenológicas ou estatísticas. Dessa forma, o que entendemos por desempenho, por exemplo, pode variar bastante e é neste ponto que podemos dar uma pequena amostra do abismo entre as perspectivas da POT.

Se considerarmos o desempenho como um fator privilegiado nas nossas organizações capitalistas, logo o compreenderemos como um emaranhado de ações e resultados voltados à produção de um valor econômico – o tão discutível lucro. Então, o que se espera do psicólogo que atua em uma empresa como esta?

Bom, possivelmente que este lhe ofereça ferramentas e tecnologias que auxiliem o controle e a gestão, ou até mesmo a adaptação dos funcionários à cultura produtiva e eficiente.

Seria correto dizer que a utilização de testes psicológicos, ações de qualidade de vida no trabalho e ciclos de avaliação de desempenho, por exemplo, seria adequada aos fins pretendidos. Estamos aqui no que Bendassolli e Soboll (2011a) chamam de um paradigma neopositivista, de controle.

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No entanto, se nos aproximarmos de um paradigma não positivista ou compreensivo, podemos questionar o conceito de desempenho. O que é um bom desempenho? A quem ele serve? Afinal, será sempre possível conciliar desempenho e saúde? Interesses da organização e interesses individuais?

Clot (2010), ao discorrer sobre a história da Psicologia do Trabalho e sugerir sua divisão em três gerações, afirma que o que se inicia como uma inovação e um genuíno interesse pelo trabalho, pode-se tornar apenas um serviço ao sistema econômico, um instrumento da gestão, como parece ter ocorrido com algumas técnicas da psicologia ao longo do tempo.

O sofrimento no trabalho

O alto desempenho, por exemplo, que brinda a organização capitalista com eficiência lucrativa, pode trazer prejuízos significativos ao sujeito que o alcança. O adoecimento, a alienação e o suicídio são alguns dos temas comuns quando nos aproximamos de uma postura compreensiva dos fenômenos do trabalho.

Quando lidamos com o adoecimento psíquico no trabalho, estamos explorando um universo complexo, desde o funcionário saudável e satisfeito, até o sujeito doente que se mantém no emprego ou se afasta por uma incapacidade temporária ou definitiva. Falamos do professor do ensino fundamental esgotado, do policial que sofre com transtornos de ansiedade ou da atendente de telemarketing que chegou ao seu limite.

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Sobre a análise do sofrimento, pode-se dizer que existe um olhar distinto entre as concepções positivistas, citadas anteriormente, e as perspectivas compreensivas. Afinal, podemos reduzir o adoecimento ao estresse, por exemplo, e criar programas para gerenciá-lo, encaminhar o sujeito acometido para um processo de psicoterapia e tratar do problema de modo individual, como o encaramos.

Se, por outro lado, percebemos o sofrimento como reflexo de uma atividade escassa de significado, de uma organização do trabalho rígida e adoecedora ou mesmo do enfraquecimento do coletivo de trabalhadores, estamos fazendo uma interpretação diferenciada, do conjunto da instituição, propondo soluções coletivas e não individualizantes.

Desse modo, há que se conhecer a atividade do ponto de vista dos trabalhadores que a realizam e entender as intrincadas relações institucionais. Para essa análise, consideramos um grupo de disciplinas que se convencionou chamar por “clínicas do trabalho” (LIMA, 2011), próximas de uma abordagem não-positivista ou compreensiva.

As abordagens clínicas do trabalho

Com origem na França do século XX, tais disciplinas, apesar de se mobilizarem em torno de um problema comum – a relação entre trabalho, saúde e subjetividade – apresentam caminhos e concepções próprias para alcançar o que buscam (LIMA, 2011), possuindo alguma diversidade epistemológica, metodológica e teórica.

Entre suas principais abordagens, temos a Psicossociologia (Gaulejac; Enriquez), a Psicodinâmica do Trabalho (Dejours), a Clínica da Atividade (Yves Clot) e a Ergologia (Yves Schwartz) (LEÃO, 2012; BENDASSOLLI; SOBOLL, 2011b). Para quem quiser conhecer um pouco mais, leia aqui mesmo no blog 07 motivos para conhecer as clínicas do trabalho.

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Psicólogo francês Yves Clot, principal representante da Clínica da Atividade

Existe um grande contraponto entre estas abordagens clínicas e o modelo dominante da psicologia organizacional – as abordagens neopositivistas.

Os métodos aqui não buscam medir, controlar ou prever, mas sim compreender, transformar, subsidiar a reflexão crítica e aumentar o poder de ação dos sujeitos na situação de trabalho.

Percebemos, nas ideias apresentadas por seus pesquisadores, uma ênfase diferenciada no trabalho, na atividade em si, no poder de ação do sujeito que constrói sua personalidade e o mundo ao seu redor. Há um olhar especial para relações entre o indivíduo e as instituições, a dinâmica entre o sujeito, o outro e o objeto de seu trabalho.

Não estamos conhecendo o comportamento para prever atitudes e modelar resultados. Estamos questionando a realidade, compreendendo para transformar e transformando para compreender.

De um modo geral, as clínicas do trabalho veem o trabalho como uma atividade material de construção do laço social e da subjetividade. Há uma grande preocupação com a situação de trabalho e o conhecimento da experiência que o próprio trabalhador possui sobre a sua atividade.

O trabalho aqui é mais que o emprego. É uma atividade do sujeito consigo mesmo e com os outros, de afirmação no mundo em seus diversos contextos, muito além do campo empresarial tradicional.

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A noção de trabalho prescrito e trabalho real trazida pela Ergonomia é um elemento chave para pensarmos que, entre o que deve ser feito e o que realmente é feito na situação de trabalho, existe uma boa distância, inclusive insuperável.

O sofrimento no trabalho é um grande argumento para a adoção das clínicas do trabalho. Para Bendassolli e Soboll (2011b), busca-se questionar o sofrimento conhecendo os modos de organização e divisão do trabalho, assim como às respostas dos sujeitos frente às dificuldades enfrentadas na realidade de sua atividade. Adota-se uma visão do trabalhador como mediador entre a ordem singular e a ordem coletiva.

Algumas conclusões

Mesmo que eu me sinta inclinado a defender a abordagens compreensivas, é difícil – e perigoso – dizer se algumas estão certas e outras estão erradas. Na Psicologia, principalmente, tal classificação soa reducionista e pode nos distanciar do diálogo construtivo.

É fácil imaginar que uma análise como essa envolve toda a organização e pode provocar mudanças desejadas e indesejadas. Há que se discutir aqui as relações de poder, as tramas institucionais e a alienação.

Entendo que as clínicas do trabalho trazem um posicionamento ético-crítico diferenciado, distante das abordagens positivistas que caracterizamos anteriormente, e convido o leitor a conhecer os artigos de Lima (2011) e Bendassolli e Soboll (2011b), citados na referência. Ambos fazem um excelente resumo histórico destas perspectivas.

Por enquanto, fico com uma reflexão importante que resumi em algumas palavras:

O conhecimento se faz através do diálogo. O verdadeiro diálogo ocorre na contradição. Por isso, não tenha medo de discutir.

Para quem quiser se aprofundar no assunto, indico mais alguns artigos que mostram com bastante lucidez uma crítica ao campo da Psicologia aplicada ao trabalho e às organizações, além dos citados nas referências e em nossas indicações:

  • ARAÚJO, J. N. A. Qualidade de vida no trabalho: controle e escondimento do mal-estar do trabalhador. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 7 n. 3, p. 573-585, nov.2009/fev.2010.
  • ENRIQUEZ, Eugène. O indivíduo preso na armadilha da estrutura estratégica in RAE – Revista de Administração de Empresas São Paulo, v. 37, n. 1, p. 18-29 Jan./Mar. 1997.
  • PADILHA, Valquíria. Qualidade de vida no trabalho num cenário de precarização: a panaceia delirante. Trab. Educ. Saúde, Rio de Janeiro, v. 7 n. 3, p. 549-563, nov.2009/fev.2010.

Referências

BENDASSOLLI, P. F., SOBOLL, L. A. P. Clínicas do trabalho: filiações, premissas e desafios. Cadernos de Psicologia Social do Trabalho, vol. 14, n. 1, pp. 59-72, 2011a.

BENDASSOLLI, P. F., SOBOLL, L. A. P. (Orgs.) Clínicas do trabalho: Novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade. São Paulo: Atlas, 2011b.

CLOT, Yves. A Psicologia do Trabalho na França e a Perspectiva da Clínica da Atividade. Fractal: Revista de Psicologia, v. 22 – n. 1, p. 207-234, Jan./Abr. 2010.

CLOT, Y. Trabalho e poder de agir. Belo Horizonte: FabreFactum, 2010.

LEÃO, L. H. C. Psicologia do Trabalho: aspectos históricos, abordagens e desafios atuais. Estudos Contemporâneos da Subjetividade, vol.2, n.2, p.291-305, 2012.

LIMA, M. E. A. Abordagens clínicas e saúde mental no trabalho. In: P. Bendassolli, & L. Soboll (Orgs.), Clínicas do trabalho: novas perspectivas para a compreensão do trabalho na atualidade (pp. 227-253). São Paulo: Atlas, 2011.

LIMA, M. E. A. Esboço de uma crítica à especulação no campo da saúde mental e trabalho in JACQUES, Maria da Graça Corrêa; CODO, Wanderley. Saúde mental & trabalho: leituras. Petrópolis: Vozes, 2002. 420p.

ZANELLI, José Carlos, BORGES-ANDRADE, Jairo Eduardo e BASTOS, Antônio Virgílio Bittencourt (orgs.). Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil. 2ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2014.

4 Comentários

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